Em debate no Supremo Tribunal Federal (STF) há quase quatro anos, a doação de sangue por homens homossexuais retorna à pauta da Corte nesta semana. Está previsto que os ministros decidam sobre o tema que historicamente divide autoridades da saúde e representantes de movimentos LGBT+ na sessão da próxima quarta-feira (11).
Protocolada em junho de 2016 pelo PSB, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5543 propõe uma mudança nas atuais regras, que restringem a doação. Duas portarias do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) consideram "homens que fazem sexo com homens" inaptos a fornecer sangue pelo período de um ano após as relações sexuais.
O PSB, acompanhado por movimentos LGBT+, argumenta que há escassez nos bancos de sangue brasileiros. Segundo estimativa apresentada na ADI, 19 milhões de litros deixam de ser doados por causa da restrição. O partido defende que as normas são inconstitucionais e representam uma afronta à "dignidade humana e à construção de sociedade justa e solidária, livre de preconceitos e discriminações".
Os órgãos de saúde, contudo, negam qualquer tom discriminatório. Segundo eles, a prática de sexo entre homens aumenta em 19,3 vezes a probabilidade de infecção por HIV se comparada com homens na população em geral. De acordo com estatísticas mencionadas pela Anvisa, de 0,4% a 0,7% dos brasileiros têm HIV, e, entre homens que fazem sexo com homens, o índice sobe para 10,5%.
Mesmo contestado pelos grupos que defendem os direitos homossexuais, o posicionamento é seguido por outros países. As normas, contudo, têm sido alteradas por alguns governos. Nos últimos anos, Argentina e Chile, entre outros, retiraram restrições após reivindicações da comunidade homossexual. Já a França, por exemplo, reduziu, em fevereiro, de um ano para quatro meses o período de abstinência sexual para o fornecimento de sangue.
Pauta de costumes
Em 2017, o relator da ADI, Edson Fachin, considerou procedente a ação liberando a doação. Fachin foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. Já Alexandre de Moraes foi parcialmente favorável, sugerindo que o sangue fornecido por homens homossexuais seja separado e passe por outros testes. À época, Gilmar Mendes pediu vistas, suspendendo o julgamento.
Mendes devolveu os autos para dar continuidade ao juízo em outubro do ano passado. Incluído na pauta de 2020 pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli, o tema será uma das únicas discussões mais relacionadas à pauta de costumes sob análise da Corte neste ano.
Longe de ser consenso entre especialistas, o assunto tem sido analisado com cautela pela comunidade médica. Parte defende que os testes são suficientes para detectar o vírus e que, por isso, a restrição pode ser considerada discriminatória. Outro segmento afirma que há risco residual de transmissão de HIV, além de falsos resultados e da janela imunológica, que podem impedir que o sangue infeccionado seja mapeado.
Principais pontos do debate
Como é hoje
Duas portarias do Ministério da Saúde e Anvisa restringem que homens homossexuais que "tiveram relações sexuais com outros homens" doem sangue por um período de 12 meses após o ato sexual.
O que o STF analisará
Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada em 7 de junho de 2016 pelo PSB. O partido questiona as regras atualmente em vigor, argumentando que são discriminatórias.
Como está a votação
Relator do caso, Edson Fachin se manifestou favorável ao argumento da ADI. Os ministros Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux seguiram o posicionamento. Já Alexandre de Moraes votou parcialmente favorável, sugerindo que o sangue fornecido por homens homossexuais seja separado e passe por outros testes. Os demais ainda não se posicionaram.
Por que o governo restringe
Ministério da Saúde e Anvisa negam o tom discriminatório e argumentam que a prática sexual entre homens aumenta em 19,3 vezes a probabilidade de infecção por HIV, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Desde quando há restrições
Pelas normas atuais, desde 2002. Anteriormente, homossexuais eram impedidos de doar, independentemente de quando haviam tido a última relação sexual.
Por que a comunidade LGBT+ contesta
Os movimentos afirmam que a restrição é uma ofensa à Constituição, estimula o preconceito e agrava a situação dos estoques dos bancos de sangue no país. Para eles, deveria haver impedimentos a comportamento de risco, independentemente da sexualidade da pessoa.
Quem está apto a doar no Brasil
Pessoas de 16 a 69 anos com peso mínimo de 50 kg e em boas condições de saúde.
Quem também está inapto a doar no Brasil
Pessoas que se submeteram a cirurgias e exames invasivos ou se vacinaram recentemente, que ingeriram determinados medicamentos, que fizeram tatuagem nos últimos 12 meses, que têm histórico de infecções, que viajaram a locais com alta incidência de doenças com impacto transfusional ou que apresentaram sintomas ou temperatura do corpo alterada no momento do fornecimento de sangue.