Onde se ganha o pão não se come a carne. Inclusive no McDonald's. O ditado, que se refere ao profissional que não deve manter relacionamento dentro de seu ambiente de trabalho, é seguido à risca na rede de fast food.
A prova disso foi a demissão de seu presidente-executivo, o britânico Steve Easterbrook, em 1º de novembro, após a companhia descobrir que ele mantinha um relacionamento com uma funcionária.
Especialistas ouvidos pela reportagem, porém, afirmam que a medida não precisa ser interpretada ao pé da letra. Na avaliação deles, o ponto crítico de um relacionamento com outro funcionário da mesma empresa está na possibilidade de haver uma hierarquia entre os envolvidos, como casos de relação entre chefe e subordinado.
— São políticas globais de normas de conduta. As empresas brasileiras acabam replicando isso aqui, embora o que eu vejo é que a regra restrinja um relacionamento entre funcionários quando existe uma relação de subordinação (no trabalho) — afirma Henrique Melo, sócio do NHMF Advogados.
— A ideia que está por trás dessa regra é que se relacionar com alguém superior a você, em tese, pode dar certo favorecimento comparado aos demais funcionários — diz Ricardo Calcini, advogado e professor de direito do trabalho.
No caso específico do presidente da rede de fast food, os especialistas afirmam que o relacionamento de Easterbrook com algum empregado da empresa o colocaria em uma situação delicada, porque qualquer funcionário estaria subordinado ao seu comando.
— A recomendação para as empresas é tentar acomodar a situação. Fazer uma mudança (dos envolvidos) de setor para quebrar a relação de hierarquia. No caso do presidente, não tem como transferir, então aí fica uma situação difícil mesmo — afirma Melo.
Além disso, Melo explica que um empregado intermediário (entre o presidente e o funcionário com quem ele se relaciona) dificilmente tomaria uma posição que fosse contrária à de uma pessoa tão próxima do chefe máximo da companhia.
No Brasil, não há um entendimento legal sobre processos judiciais relativos a demissões de empregados que tiveram relação com outro empregado da empresa, afirma Calcini. Segundo o advogado, há decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) favoráveis e contrárias aos trabalhadores.
— Uma relação entre pessoas de hierarquias diferentes não é algo bem-visto dentro da empresa. No caso, voltamos à questão do favorecimento. Mas proibir relacionamento entre pessoas de mesma hierarquia pode violar o direito da pessoa de se relacionar com quem ela quiser — diz. — O direito de intimidade e vida privada é constitucional. Você pode ter essas diretrizes, mas tem que guardar razoabilidade e tomar cuidado para não violar direitos —afirma Melo.
Para a diretora da Great Place To Work (GPTW) Daniela Diniz, mesmo não havendo dados compilados sobre o tema, é possível perceber de maneira informal que as empresas são mais flexíveis com esse ponto no Brasil:
— O brasileiro é muito mais flexível. Há empresas em que até se comemora.
Ela ressalta, no entanto, que o empregado de uma multinacional precisa manter sempre em mente as regras e a cultura do país da matriz:
— O caso do Salesforce, da festa a fantasia de fim de ano, é um exemplo que explica a diferença de cultura entre os países. Aqui, na festa, tudo foi permitido, e os líderes até tomaram as dores do funcionário. E o que a matriz decidiu fazer? Demitir todo o mundo porque havia uma violação do código da matriz.