Um estudo publicado recentemente no periódico da American Academy of Child & Adolescent Psychiatry trouxe à tona uma nova discussão sobre a série da Netflix 13 Reasons Why, que aborda, entre outros temas, o suicídio de adolescentes. O levantamento mostrou que, nos Estados Unidos, foi observado um aumento no número desse tipo de morte após o lançamento da série. Em sua conclusão, os pesquisadores do Nationwide Children's Hospital não mediram palavras e afirmaram: "O lançamento de 13 Reasons Why foi associado com um aumento significativo nas taxas mensais de suicídio entre adolescentes e jovens nos Estados Unidos". Especialistas do Rio Grande do Sul consultados pela reportagem dão dicas de como deve ser a abordagem do assunto com os jovens
Para a pesquisa, eles se basearam em informações sobre os números de suicídios coletados todos os meses no país, em um período que compreendeu de janeiro de 2013 a dezembro de 2017 – ano em que o seriado foi lançado. Na análise, os indivíduos foram divididos em três grandes grupos etários: dos 10 aos 17 anos; dos 18 aos 29; e dos 30 aos 64.
Conforme o levantamento, foram percebidas mais mortes de adolescentes de 10 a 17 anos em abril de 2017 – um mês após o lançamento de 13 Reasons Why –, maio e junho do mesmo ano. Ao todo, ocorreram 195 óbitos a mais do que o estimado, o que representa, aproximadamente, um salto de 30% . Nos demais grupos etários, não foram observadas mudanças significativas.
Para Jeff Bridge, autor do estudo e diretor do Centro de Prevenção e Pesquisa de Suicídio do Nationwide Children's Hospital, os adolescentes são particularmente suscetíveis ao chamado contágio suicida, portanto, os retratos dessas situações devem evitar detalhes do suicídio.
— O comportamento pode ser estimulado por histórias que sensacionalizam ou promovem explicações simplistas do comportamento suicida, glorificam ou romantizam o falecido, apresentam o suicídio como um meio de atingir um objetivo ou oferecem potenciais prescrições de como fazer morrer por suicídio — disse Bridge ao site do hospital.
Psiquiatras gaúchos fazem ponderações
A psiquiatra Cíntia Vasques Cruz Heidemann, mestre em psiquiatria e especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência pela UFRGS, afirma que, apesar dos números trazidos pela pesquisa norte-americana, o seriado, por si só, não tem o poder de elevar esses índices:
— Embora, após o lançamento da série, evidencie-se um aumento nos casos de suicídio entre crianças e adolescentes de 10 a 17 anos, não se sabe ao certo o que isso significa. O comportamento suicida, até que se prove o contrário, é um problema de saúde mental. Em outras palavras, a série sozinha não seria capaz de aumentar o número de suicídios sem a presença prévia de um transtorno mental naqueles que se suicidaram.
José Paulo Ferreira, da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, destaca que o estudo tem limitações, pois não prova que todos os adolescentes que tiraram a vida assistiram à série. Mas Ferreira acha que o programa possa, sim, estimular medidas drásticas como o suicídio.
— Ele foi lançado com muita mídia. Aí, ele (o adolescente) vê e pensa: "Eu sou igual a menina, já fui abusado, já sofri". Depois, na história, a jovem deixa 13 fitas e todo mundo fica em volta dela. Suicídio não é assim. Provavelmente, para pessoas nessas situações, o seriado serviu como estopim.
Com a promessa de uma terceira temporada, que deve ser lançada ainda neste ano, cresce a preocupação dos especialistas. Ferreira acredita que a discussão em torno da série deva mudar de tom, passando a dar atenção à desassistência com a qual convivem os adolescentes.
— A série mostrou como a adolescência, que é uma fase frágil e delicada, é desassistida. Os pais têm que saber o que está acontecendo com o adolescente. Eles têm que participar mais das vidas deles. Mas eles acham que é fase, que o filho é estranho. Precisa haver conversa.
Cíntia acrescenta que, além do convívio próximo entre pais e filhos, é preciso que a classificação etária do programa seja respeitada:
— A exposição a conteúdos sexuais de violência e morte pode levar adultos sadios a perturbações agoniantes. O que esperar em relação a uma faixa etária de 10 a 17 anos, em que uma consciência clara dos próprios pensamentos e sentimentos ainda não se formou? E se às particularidades da idade somarmos um problema de saúde mental? Acredito que respeitar a classificação da série de 18 anos é um bom começo.
No Brasil, o Ministério da Saúde classificou dados coletados sobre suicídio até 2016 — portanto, não há como pesquisar a influência do seriado 13 Reasons Why, que estreou em 2017. As informações referentes ao ano de estreia do programa ainda são preliminares e não disponíveis.
Contudo, um estudo feito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) apontou alguns caminhos. Por intermédio de um questionário feito pelo Facebook com 21.062 pessoas, os pesquisadores observaram que a maioria dos participantes apresentou depressão duas semanas antes de assistir à série (65,6%) e ideação suicida no passado (64,5%). De forma geral, os resultados foram positivos: 59,2% daqueles que tinham ideação suicida prévia passaram a pensar menos em tirar a própria vida, enquanto 93,5% daqueles sem ideação prévia permaneceram sem ter.
Berenice Rheinheimer, psiquiatra da infância e adolescência e coordenadora do Comitê de Prevenção de Suicídio da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS), acredita que o estímulo à conversa que o seriado gerou é benéfico:
— É uma forma de os adolescentes estarem mais atentos aos colegas, falarem sobre depressão e sofrimento em geral. Por outro lado, lembro que quando surgiu a história da Baleia Azul, um paciente adulto referiu que há anos não pensava em suicídio, mas com o bombardeio do assunto ele se pegou falando nisso.