O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) para decidir se o Congresso Nacional é ou não omisso por não ter criado até agora lei que criminalize a homofobia foi suspenso nesta quinta-feira (14) e só será retomado na quarta-feira que vem (20). Hoje, o ministro Celso de Mello, relator de uma das ações, fez a leitura de cerca de metade do seu voto – cujo texto soma 108 páginas. Ao longo do discurso, criticou a discriminação de minorias sexuais e o Congresso por não ter regulado ainda a questão. Na semana que vem, ele deve concluir seu voto.
— A inércia do Estado qualifica-se perigosamente como um dos processos deformadores da Constituição — afirmou o decano, indicando posicionamento favorável à causa LGBT+. — Não se nasce mulher, torna-se mulher — em referência a Simone de Beauvoir, ícone do feminismo.
Nesta quinta-feira, o plenário do Supremo continuou o julgamento que deve decidir se a homofobia e a transfobia devem ou não ser criminalizadas. O tema começou a ser discutido na quarta-feira (13), com a exposição oral de envolvidos no processos que são contra e a favor da medida.
Até agora, Mello destacou que o Estado deve assegurar que indivíduos com diferentes orientações sexuais ou identidades de gêneros (pessoas trans) vivam com a mesma liberdade. Em seu voto, chegou a citar as declarações da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, sobre meninos usarem azul e meninas usarem rosa, criticando "o espantalho moral criado por reacionários morais com referência à ideologia de gênero".
Ao mesmo tempo, o ministro defendeu que a definição do que é crime não cabe ao Supremo – ao Judiciário, declarou, cabe garantir o cumprimento de leis, não criá-las. A dúvida é se ele entenderá que homofobia e transfobia sejam equiparados ao crime de racismo, um dos méritos a ser julgado pela Corte. Em seu voto, ainda não declarado, Mello disse que LGBTs sofrem de violência motivada por "preconceito, ódio e racismo".
Duas ações são analisadas pelo Supremo – uma apresentada pelo Partido Popular Socialista (PPS) e a outra, pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT). O pedido é para que o Supremo declare o Congresso omisso por até hoje não criar uma lei que criminalize a homofobia. Como medida de reparação, as ações pedem que Câmara e Senado tenham prazo para criar lei penal que regule a questão. Até lá, que a discriminação motivada por homofobia ou transfobia seja enquadrada na lei do racismo (7.716/1989), assim como ocorre com crimes movidos por antissemitismo (aversão a judeus).
A pena para o crime de racismo é de um a cinco anos de prisão, sem fiança.
Uma das ações é a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, movida pelo Partido Popular Socialista (PPS), cujo relator é o ministro Celso de Mello. A outra ação é um Mandado de Injunção, movido pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais (ABGLT), cujo relator é ministro Edson Fachin.
Na quarta-feira, após a sessão do STF ser suspensa para a retomada nesta quinta, o presidente Jair Bolsonaro se declarou contra a criminalização da homofobia. Ao citar o argumento usado pela Advocacia-Geral da União (AGU) na sessão, o presidente disse que a Constituição Federal não exige tipificação penal da homofobia e que quem deve criar leis para punição de crimes é o Congresso.
O fundamento das duas ações é que há agressões, verbais e físicas, motivadas especificamente por preconceito. Mais de 10 instituições são reconhecidas como amici curiae – não são partes do processo, mas têm interesse na discussão e podem se manifestar oralmente. Entre elas, há organizações não governamentais (ONGs) LGBT+ e associações ligadas a evangélicos.
Hoje, mais de 40 países têm leis que criminalizam homofobia e transfobia – entre eles, Argentina, Uruguai, Canadá, Espanha, França, Portugal e Suécia. O Brasil registrou 445 casos de assassinatos de homossexuais em 2017, segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia. A expectativa média de vida de pessoas trans é de 35 anos.
Na quarta-feira, o advogado do PPS, Paulo Roberto Vechiatti citou aumento em ataques físicos a gays e trans para defender que o STF tome uma posição "contramajoritária" – quando o Judiciário defende uma minoria, apesar da opinião da maioria, em busca de proteger direitos importantes da humanidade. Citou que há leis protegendo outros grupos vulneráveis, como idosos, crianças, mulheres e negros, portanto LGBT+ também devem ser incluídos.
— Não são monstros que discriminam ou matam pessoas LGBT. É a banalidade do mal, e falo isso fazendo referência a Hannah Arendt: são pessoas normais que acabam cometendo esses crimes — afirmou o Vechiatti.
Críticos à criminalização da homofobia afirmam que a lei fere a liberdade religiosa – em especial, o setor evangélico é o que mais teme efeitos, sobretudo restrições a discursos de pastores em cultos. Dizem, ainda, que uma decisão do STF sobre o tema seria mais um caso em que o Judiciário legisla no lugar do Parlamento – ou seja, sobreposição de poderes da República.
Representante da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), o advogado Luigi Mateus Braga defendeu que o Congresso tenha a palavra final sobre o caso. Braga disse que a comunidade LGBT+ deve ter seus direitos protegidos, mas que é preciso assegurar que religiosos não sejam punidos por pregaram os textos bíblicos.
— Ninguém está sustentando abuso, que uma religião tenha o direito de menosprezar individualmente qualquer homossexual ou transexual. No entanto, não queremos correr o risco de ser punidos por um fato social, representado por textos bíblicos — afirmou.
Na terça-feira (12), um dia antes o julgamento, o presidente do STF, Dias Toffoli, havia se reunido com representantes da Bancada Evangélica do Parlamento, que pediam o adiamento do julgamento.
André Mendonça, advogado-geral da União, instituição que defende os interesses do governo federal, criticou o preconceito, mas se manifestou contra as ações sob o argumento de que agressões homofóbicas já estão cobertas pela legislação atual, em crimes penais como homicídio ou agressão. Ele defendeu que o Congresso não foi omisso porque a Constituição não exige lei específica sobre o assunto e que quem deve legislar sobre crimes penais é apenas o Parlamento.
Luciano Mariz Maia, vice-procurador-geral da República, número dois na hierarquia do Ministério Público Federal (MPF), defendeu a criminalização da homofobia sob o argumento de que é impossível dissociar a violência entre negros, pobres, gays e pessoas trans.
Após o fim da sessão de quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro se posicionou contra a criminalização da homofobia. Ele retomou os argumentos de André Mendonça, da Advocacia-Geral da União (AGU), e afirmou que uma decisão do STF nesse sentido pode atentar contra o equilíbrio dos poderes. "Em respeito aos princípios da democracia é que a AGU requer que a decisão sobre tipificação penal da homofobia seja livremente adotada pelos representantes legitimamente eleitos pelo povo, nesse caso, o Congresso Nacional", escreveu.
O QUE DIZEM AS AÇÕES
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26
Quem é o relator: ministro Celso de Mello
Na ADO 26, o Partido Popular Socialista (PPS) pede que homofobia e transfobia sejam reconhecidos como racismo, que o STF declare que o Congresso foi omisso em não votar até agora projeto que criminalize o preconceito contra LGBT+ e coloque prazo de até um ano para o Congresso legislar sobre o tema.
Nesta ação, a Câmara se defendeu dizendo que aprovou, em 2001, o projeto de Lei 5.003 e o enviou para análise do Senado, que nunca o votou. O Senado, por sua vez, disse que não foi omisso e sublinhou que cabe a ele decidir o tema agora.
Mandado de Injunção 4733
Quem é o relator: ministro Edson Fachin
A ação, movida pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais (ABGLT), pede que o STF reconheça a homofobia como crime de racismo ou como crime de discriminação que atenta contra liberdades individuais. Aqui, tanto Câmara quanto Senado afirmaram que não foram omissos.