Falta, para uma parcela dos homossexuais, um suporte fundamental na velhice – o da família. Muitos romperam em definitivo com pais, irmãos e outros parentes ainda na juventude ou mantiveram relações estremecidas vida afora. No momento de maior fragilidade e necessidade, a solidão originada a partir dos laços de sangue fica clara. É comum que gays e lésbicas construam vínculos alternativos, as chamadas famílias do coração, que se mostram fundamentais com o passar dos anos. Um amigo pode fazer companhia, levar ao médico, acudir com presteza em uma situação de emergência.
Na década de 1980, quando a epidemia de HIV/aids chegou ao Brasil, muitos necessitaram dessa rede de suporte – e tantos outros não resistiram ao contágio, deixando uma lacuna para amigos que deles também dependiam. Uma queixa ainda comum é quanto aos serviços de saúde, públicos ou privados, onde gays e lésbicas idosos não se sentem bem vistos e se constrangem em consultas.
O antropólogo Carlos Eduardo Hennning salienta a relevância da existência de instituições tolerantes com a diversidade sexual na velhice. Idosos homossexuais internados em residenciais geriátricos são forçados, em geral, a abdicar da sexualidade, reprimindo-se para serem aceitos, especialmente em locais ligados a entidades religiosas.
A situação para os heterossexuais não é muito diferente. O pesquisador menciona um caso, ocorrido no Rio Grande do Sul, de um senhor e de uma senhora que se casaram em um asilo e nem assim puderam compartilhar o mesmo quarto.
— Hoje, a velhice ainda é pensada como um momento assexuado. Qualquer velho ou velha é concebido como não tendo uma vida sexual — pontua Henning.
A solidão na velhice se dá para o homem moderno. Os heterossexuais estão todos solitários. Me pergunto: quem, hoje, está tendo a experiência de viver vínculos duradouros, de longa data?
MURILO PEIXOTO DA MOTA
Sociólogo da UFRJ
O professor cita estudos que afirmam que as lésbicas frequentemente têm relações afetivo-sexuais estáveis mais longas do que as dos gays. Muitas vezes, elas trazem para a relação homossexual os filhos de um relacionamento hétero anterior ou têm filhos com a parceira. Assim, Henning explica que a velhice das lésbicas tende a ser menos problemática, frágil e instável do que a dos homens homossexuais.
Murilo Peixoto da Mota, da UFRJ, acredita que a solidão é generalizada na terceira idade, independentemente da orientação sexual.
— A solidão na velhice se dá para o homem moderno. Os heterossexuais estão todos solitários. Me pergunto: quem, hoje, está tendo a experiência de viver vínculos duradouros, de longa data? — provoca Mota. — A velhice está sendo abandonada neste país porque a sociedade valoriza a autonomia e a independência.
Quanto ao futuro, o pesquisador é mais otimista. Para Mota, as novas gerações estão sendo moldadas sob ideias diferentes, o que se refletirá na velhice de décadas adiante. Classificações devem perder a força em um mundo plural, especialmente no que se refere à sexualidade, área em que é difícil colocar etiquetas para definir comportamentos e preferências.
— Nossa sociedade tem necessidade de nomeações. Os héteros hoje sentem necessidade da experiência da diversidade sem se autonomear como homossexuais. Os jovens estão se experimentando sem se autoclassificar. A ideia de que ser gay não está necessariamente ligado à homossexualidade. Tem pessoas alegres, com estilo de vida gay, mas que não são homossexuais. Há muitos bissexuais que não se sentem gays. Aos poucos, essas classificações e identidades vão se quebrando — avalia o sociólogo. — Ainda bem que a sociedade contemporânea está percebendo que a heterossexualidade está desmoronando diante da diversidade.