Onde quer que aterrisse em suas andanças pelo mundo, a americana Deirdre McCloskey provoca, além dos debates sobre economia e história que fundamentam sua sólida carreira acadêmica, uma discussão paralela. O motivo: Deirdre, conferencista do Fronteiras do Pensamento na última segunda-feira, já foi Donald, homem casado por três décadas e pai de dois filhos que resolveu assumir, aos 52 anos, sua identidade feminina, submetendo-se a uma cirurgia de redesignação sexual e terapia hormonal.
A mudança lhe custou a convivência com a família, que rompeu relações com ela há mais de 20 anos. A curiosidade com que a imprensa e o público sempre recepcionam a economista não a incomodam — ela gosta de falar sobre a própria vida e não declina nenhum questionamento.
— Não tenho vergonha de ter sido homem. Costumo dizer que sou a minha própria irmã mais inteligente (risos). Me tornei mais sábia. Não sei se é porque envelheci ou porque tive a experiência do outro gênero. As duas coisas, provavelmente — diz Deirdre em entrevista a Zero Hora no hotel onde se hospedou em Porto Alegre, horas antes de sua palestra.
Nascida em Boston e radicada em Chicago, formada em Harvard e professora emérita da Universidade de Illinois, Deirdre rejeita o rótulo de economista conservadora que costuma lhe ser atribuído e se define como pós-moderna, progressista, cristã libertária e adepta do livre-mercado, "uma mulher do Meio-Oeste que já foi um homem". Admite que ainda tem muitas características do sexo anterior — sua porção mais masculina está, provavelmente, na postura e no jeito de andar — e que vive em constante aprendizado, observando seus pares. Ela conta que tudo, até os mínimos trejeitos, teve de ser aprendido e treinado, tardiamente, depois de mais de meio século no corpo de Donald. Mas Deirdre não vive a se policiar — é despachada, informal, divertida.
— Se você não tem senso de humor, não troque de sexo — brinca.
Não achei que perderia minha família, mas consegui ir adiante sendo professora, escrevendo livros. Isso (aponta para os volumes da trilogia The Burgeois Era, a era burguesa, seu trabalho mais celebrado) é resultado de Deirdre. Não acho que Donald faria isso.
Questionada sobre quais seriam seus possíveis arrependimentos nessa trajetória de extremos, Deirdre confessa que sente pesar em relação a alguns episódios — lamenta não ter anunciado aos filhos, à época, o que estava prestes a acontecer —, mas não quanto à troca de gênero. A decisão de se assumir definitivamente como mulher, relembra, foi repentina, uma vontade convicta e irrefreável que sentiu depois de anos se vestindo com roupas femininas, eventualmente, na intimidade do casamento. Num dia de agosto de 1995, "eu pensei que poderia fazer isso, que deveria fazer isso, que faria isso".
— Desde então, nunca tive um único instante de arrependimento. Naqueles momentos de insônia às 4h da manhã que todos temos, nunca tive dúvida sobre a minha mudança de sexo. Acho isso extraordinário porque não planejei nada — revela. — Não achei que perderia minha família, mas consegui ir adiante sendo professora, escrevendo livros. Isso (aponta para os volumes da trilogia The Burgeois Era, a era burguesa, seu trabalho mais celebrado) é resultado de Deirdre. Não acho que Donald faria isso.
À noite, no Salão de Atos da Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Deirdre surgiu no palco de calça jeans, traje que motivaria um pedido de desculpas logo em seguida _ havia esquecido dois ternos no guarda-roupa de um quarto de hotel na Suécia, de onde embarcara para o Rio Grande do Sul, fato que a deixara bastante chateada. Assim que sua voz, baixa e rouca, foi amplificada pelo sistema de som do teatro, explicou, na primeira de uma série de tiradas bem-humoradas:
— Eu tenho um problema na fala. Vocês podem tentar se adaptar a isso ou sair daqui correndo e gritando. Não me importo. Ficarei bem. Não vou chorar.
Quando você liberta as pessoas, você tem grandes massas inovando. Liberte as pessoas e elas ficarão ricas e enriquecerão você também.
Na apresentação intitulada O Grande Enriquecimento, ela defendeu o liberalismo e creditou a substancial melhora na renda da população mundial, verificada nos últimos 200 anos, à livre circulação e implementação de ideias. Iniciado nos anos 1800, esse processo beneficiou sobretudo a parcela mais carente. Nossos ancestrais, garante Deirdre, tinham uma vida muito pior do que a nossa. Isso se deve à liberdade experimentada pela classe média, que pôde criar e empreender.
— O que acontece quando você liberta as pessoas? Uma enorme inovação. Quando você liberta as pessoas, você tem grandes massas inovando. A partir do liberalismo, houve essa massiva inovação. Essa é a explicação para o moderno crescimento econômico. Tornar as pessoas livres as torna ricas. Liberte as pessoas e elas ficarão ricas e enriquecerão você também.
O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre e Hospital Moinhos de Vento; parceria cultural PUCRS e Instituto CPFL; e empresas parceiras CMPC Celulose Riograndense, Souto Correa, Sulgás e Thyssen Krupp. Parceria institucional Fecomércio e Unicred, apoio institucional Embaixada da França e Prefeitura de Porto Alegre. Universidade parceira: UFRGS. Promoção: Grupo RBS.