Um projeto de lei que pretende dificultar o acesso de grávidas a métodos abortivos, de autoria do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi aprovado na última quarta-feira pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O texto do Projeto de Lei 5.069, de 2013, torna "crime contra a vida", com pena de até 10 anos de prisão, o mero anúncio de meios abortivos, além de tornar obrigatórios o exame de corpo de delito e a apresentação da vítima em uma delegacia em casos de estupro. Para especialistas ouvidos por ZH, a proposta é considerada um retrocesso.
Mais do que endurecer as penas e aumentar as dificuldades de acesso ao aborto, o texto de Cunha praticamente proíbe qualquer informação sobre a prática. Atualmente, o código penal prevê o direito ao abortamento legal caso a vida da gestante esteja em risco ou caso a gravidez seja resultado de estupro. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal estendeu o direito a casos de fetos anencéfalos. Nos três casos, não é necessária autorização judicial – situação que muda, caso o projeto de Cunha seja aprovado.
O texto muda também o conceito de "violência sexual": uma lei sancionada por Dilma em 2013 caracteriza como "qualquer forma de atividade sexual não consentida", enquanto o texto do PL 5.069/13 fala em práticas "que resultam em danos físicos e psicológicos". Outra preocupação de quem é contrário a lei tem a ver com a subjetividade de alguns termos: pílula do dia seguinte é "substância abortiva"? Um médico que dá entrevista sobre aborto (como é o caso nessa reportagem) está "prestando auxílio" para que alguém o pratique?
Para o professor de ginecologia e obstetrícia da UFRGS José Geraldo Lopes Ramos, o texto representa um "retrocesso de 20, 30 anos". Ele explica que os avanços legais dos últimos anos possibilitaram programas de assistência mais adequados, o que diminui o risco para as mulheres grávidas.
– Não vejo isso como um progresso. Há 20 anos, (a maior parte dos abortos) era feito na ilegalidade, o que aumentava muito o risco para as mães. Hoje, com programas de assistência mais adequados, diminuiu-se muito a mortalidade dos pacientes. Socialmente, (o projeto de lei) é uma atitude muito ruim, que causaria um impacto muito grande. E o mais absurdo é deixar as mulheres desinformadas sobre as condições adequadas. Parece que voltamos à inquisição. Se eu dou uma entrevista a um jornal, posso ser preso? – questiona o professor.
Na justificativa do projeto, Eduardo Cunha escreve que "a legalização do aborto vem sendo imposta a todo o mundo por organizações internacionais inspiradas por uma ideologia neomalthusiana de controle populacional, e financiadas por fundações norte-americanas ligadas a interesses super-capitalistas". Ele alega que "as grandes fundações enganaram também as feministas, que se prestaram a esse jogo sujo pensando que aquelas entidades estavam realmente preocupadas com a condição da mulher". Para Joluzia Batista, assessora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), o texto é uma completa "inversão de valores":
– É o mundo ao revés. Eles usam uma lente que vira tudo ao contrário. Obviamente, discordo isso. Tem vários pontos negativos, mas o principal é dificultar o atendimento a mulheres vítimas de violência. A bancada fundamentalista vê como autoritário prestar informações sobre aborto legal e prescrever medicação em caso de emergência. É gravíssimo negar informação. Em resumo, vamos deixar a mulher morrer na porta dos hospitais.
Assim que foi aprovado, o projeto passou a ser alvo de ataques, principalmente nas redes sociais. Em entrevista a ZH, o coordenador-geral da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/RS, Rodrigo Puggina, faz eco a essa revolta. Assim como Joluzia e José Geraldo, o advogado se refere ao projeto como "absurdo":
– A Comissão de Direitos Humanos, em princípio, é contrária a esse projeto encabeçado pelo presidente da Câmera, considerando-o um absurdo, de fato. A OAB deve buscar mecanismos judiciais parar tentar barrar ou questionar esse texto, caso venha a ser aprovado. Esperamos que ele não avance – opina.
Nos próximos dias, o plenário da Câmara deve analisar o PL 5.069/13. Na CCJ, ele foi aprovado por 37 votos a 14. Caso seja aprovado, o projeto segue para apreciação do Senado.