Nunca se martelou tanto na mente da população os malefícios do sobrepeso. Dados do Ministério da Saúde mostram que 48,1% dos adultos brasileiros estão acima do peso e que houve um aumento de 5,4% desse contingente nos últimos cinco anos. Mas, o que esses números significam? Será que é preciso estar em dia com a balança sempre? Quem pode ter mais problemas de saúde: um magro que não se cuida ou um gordinho de hábitos saudáveis?
Para grande parte dos especialistas, a resposta para tais indagações pode levar a opiniões irresponsáveis.
- A resposta mais lógica seria a de que é melhor um "gordinho saudável", mas nenhuma dessas situações seria adequada. Estar acima do peso confere um risco maior de se ter problemas de saúde no futuro, assim como somente ter o peso dentro do normal não assegura uma boa saúde - pondera o endocrinologista Guilherme Brenner, do Centro de Tratamento da Obesidade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Toda essa discussão esteve longe de existir um tempo atrás. Há 50 anos - quando as doenças infecciosas, como a tuberculose, ceifaram populações por falta de um tratamento eficaz - sobrepeso era sinônimo de sobrevida. Quando o problema foi sanado, outras doenças foram descobertas e a grande preocupação se voltou àquelas, como a diabetes e a hipertensão. Essas últimas, sim, favorecidas pelo excesso de gordura.
O chefe do serviço de endocrinologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Giuseppe Repetto explica que dois fatores levam o indivíduo a ser gordo: 70% é genética e 30% tem a ver com o ingestão exagerada de comida e sedentarismo.
O excesso de peso, independente de hábitos saudáveis, tende a ser um fator de risco para doenças cardiovasculares. Desse discurso, os cardiologistas não abrem mão. Mas, há uma parcela que não considera uma gordurinha aqui e outra acolá algo prejudicial e defende que a obsessão pela magreza não tem nada a ver com saúde.
Então, seria possível ser gordinho e saudável? A discussão é longa e está recheada de detalhes. Veja o que pensam os especialistas provocados a responder à questão:
:: SIM
Embora estatísticas mostrem que o risco de ter problemas de coração ou diabetes aumente proporcionalmente à elevação do ponteiro da balança, o fator não deve ser encarado como uma sentença de morte. Os fatores de risco podem ser divididos em dois grupos: os principais são hipertensão, colesterol elevado, tabagismo e diabetes. Sobrepeso e obesidade são secundários, defende Carlos Vicente Serrano, cardiologista do Instituto Nacional do Coração (Incor), assim como o estresse e o sedentarismo.
- Um hipertenso pode ter doença cardiovascular, mas alguém apenas com excesso de peso dificilmente terá doença cardiovascular. Pode até ser que os dois indicadores estejam relacionados, mas isolado não causaria problemas - destaca Serrano.
As evidências, contudo, não devem funcionar como um aval para o desleixo. Quem está acima do seu peso não deve deixar de buscar auxílio médico. Todos os parâmetros que são sinais de doença no obeso, como diabetes, colesterol total, LDL, HDL, Triglicerídeos, gota, distúrbio do sono e intestinal e fígado gorduroso devem ser revisados.
- Se o indivíduo tem todos parâmetros normais e está moderadamente acima do peso, vamos deixá-lo em paz. Não vamos embutir de remédios para baixar de peso porque se corre o risco de provocar uma doença que ele não tem - salienta o endocrinologista Giuseppe Repetto.
Apesar de otimista no discurso, Repetto diz que ainda não conheceu um gordinho saudável. Já, o cardiologista Raul Dias dos Santos Filho, diretor da Unidade de Dislipidemias do Incor, conta que sabe de casos de obesos que têm os exames metabólicos em dia, mesmo sem a prática de exercícios físicos. O motivo desta benção é estudado e desconfia-se que genes específicos sejam os responsáveis pela graça, explica o cardiologista.
:: NÃO
Em outra ponta do debate, estão os médicos radicalmente contra o cultivo de excesso de peso. Para eles, dificilmente quilos a mais trazem felicidade ou saúde.
- É difícil que alguma mulher seja gorda e feliz, assim como é complicado encontrar idosos de idades bem avançadas que sejam gordos - sentencia Jorge Gross, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretor do Centro de Endocrinologia e Diabetes do Rio Grande do Sul.
Segundo Gross, ser gordo não é aceito nem do ponto de vista médico, nem do ponto de vista social.
- A obesidade é uma doença e deve ser tratada como tal. As pessoas não devem achar que é culpa delas estar acima do peso: na grande maioria das vezes, há fatores genéticos e distúrbios envolvidos. Por isto, a necessidade de termos conhecimento da causa e tratá-la adequadamente - pondera o médico.
De qualquer maneira, boas condições de saúde no presente não servem de seguro para um futuro livre de doenças. Os médicos explicam que alterações fatais no organismo podem demorar décadas para aparecerem. A endocrinologista Dora Ullmann é diretora científica da Sociedade Brasileira de Medicina Estética e defende que nem o magro que se enche de remédios e faz coisas inimagináveis para se manter em forma, nem o gordinho que segue todas as determinações de saúde devem servir de exemplos.
- Até pode conseguir ser gordinho e ter a bioquímica normal (glicose e colesterol), mas além de sobrecarregar as articulações, a pessoa não fica feliz por estar fora do padrão de beleza. Ser saudável com excesso de peso é difícil, mas ter dois ou três quilos acima do normal não é o problema, é claro - detalha Dora.
Para aqueles que dizem que fazem de tudo, mas não conseguem emagrecer, os médicos respondem que o mais provável é que o sujeito esteja pecando em algo. Estudos realizados para identificar se existiria algum "defeito" no metabolismo dos obesos, não mostraram nenhuma diferença em relação aos magros.
- O que acontece na maioria das vezes é de a pessoa com excesso de peso não ter a noção real do que come - diz o endocrinologista Guilherme Brenner.
A um passo de...
Mas aquele que está encima do muro, sem ser obeso nem magrelo, tende a pender para um dos lados. Em geral, o sobrepeso tende a ser um passo para a obesidade por que na medida em que a pessoa vai engordando, os parâmetros de exigências mudam e ela já não se importa com o formato mais cheinho do seu corpo.
Para a endocrinologista Dora Ullmann, a direção desse pêndulo depende de cada história. Alguém que acabou de ter filho, por exemplo, provavelmente está mais a um passo de retornar ao normal. Mas, se é uma mulher que entrou na menopausa, foi engordando aos poucos, provavelmente, se não atacar esse processo, pode se tornar obesa, defende a médica.
- Existem aqueles que comem e o metabolismo acelerado dela faz com que não engorde na proporção em que se alimenta, mas aquela pessoa que faz tudo certinho e não consegue emagrecer não existe. Alguma coisa está errada. Uma nutricionista pode ajudar essa pessoa a identificar onde está o erro - salienta Dora.
Erros possíveis no sobrepeso
:: Não faz exercícios ou faz de forma inadequada. Caminhar por meia hora uma vez por semana apenas não adianta nada.
:: Se alimenta apenas nos três horários principais (café da manhã, almoço e janta). Pode até ser que coma poucas coisas nessas refeições, mas aí o organismo fica tão carente de nutrientes que vai aproveitar tudo o que se comer.
:: Deixa de tomar café da manhã e acumula mais fome ao longo do dia.
:: Não faz refeições equilibradas e ingere uma proporção maior de carboidrato refinados, que são metabolizados imediatamente e aumentam o nível de insulina no organismo.
:: Come proteínas de baixo valor biológico, com gelatinas, achando que está se abastecendo do valor necessário para o dia.
:: Aposta em dietas milagrosas.
:: Concentra a refeição principal para a noite, que é quando estão em casa.
:: Investe em alimentos saudáveis nas refeições, mas "belisca" em excesso ao longo do dia.
:: Por comer tudo na forma integral, o que favorece para ser metabolizado mais vagarosamente, acaba abusando na quantidade.
Notícia
Polêmica de peso: é possível ser gordinho e saudável?
Veja o que pensam os especialistas provocados a responder à questão
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