Um sonho que atravessou décadas, a freeway encurtou distâncias, aproximou os gaúchos do litoral e impulsionou a economia. A autoestrada Porto Alegre-Osório, a BR/290, foi muito mais do que um caminho para o mar. Beneficiou o Litoral e facilitou o acesso dos produtos do Estado às demais regiões do país em conexão com a BR/101. Sua construção deixou histórias ainda hoje lembradas.
A construção dos 96,6 quilômetros da freeway foi acompanhada com expectativa pelos gaúchos. A proximidade da conclusão das obras gerou ansiedade e a inauguração, curiosidade. A primeira autoestrada brasileira foi comemorada como poucos eventos no Estado. Afinal, os congestionamentos que provocaram horas e horas para chegar à praia pela velha e perigosa a RS-30 terminaram.
O tráfego pesado, o pavimento irregular e os riscos das curvas sinuosas entre Gravataí e Glorinha ficaram no retrovisor. Também as paradas técnicas em Santo Antônio da Patrulha, para comer os famosos sonhos, ou nos alambiques próximos a Osório para comprar a “cachaça azulzinha”. E, para quem gostava de corridas, as provas que movimentavam o automobilismo gaúcho e brasileiro.
A inauguração simbólica da freeway na tarde de 26 de setembro marcou um novo ciclo na história do Rio Grande do Sul. Depois de contar em dezenas de matérias a construção da futura BR-290, eu acompanhava a visita do presidente Emilio Garrastazu Médici a municípios do interior e a cobertura foi em conjunto com colegas da redação.
Nos anos 50, a necessidade de facilitar o acesso ao Litoral, o desenvolvimento da região e o transporte da produção gaúcha provocou a ideia de uma nova rodovia.
O projeto avançou na década seguinte e as obras só começaram em 1971, dentro do programa do Brasil Grande, do governo militar.
Construção difícil
A topografia, a região da Serra do Mar e as condições climáticas dificultaram a construção da estrada que reduziu de três a quatro horas para uma hora o percurso entre Porto Alegre e Osório. Acompanhei as obras da rodovia que foi “a menina dos olhos” do então ministro dos Transporte, o gaúcho Mário Andreazza.
O trabalho coordenado pelo engenheiro José da Costa Nascimento, do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), impressionava. Cada dia havia uma novidade na construção que envolveu quase 500 máquinas, mais de 700 caminhões e cerca de três mil trabalhadores simultâneos. Com a experiência na estrada gaúcha, acompanhei as construções da estrada Transamazônica e da ponte Rio-Niterói, outras duas obras valorizadas pelo governo militar.
Se a tarde de 26 de setembro foi histórica, a manhã do dia 27 marcou o momento de pegar a estrada. As 6h da manhã, a imprensa gaúcha e dos principais órgãos do país acompanharam os primeiros carros que saíram do km 96,6, trecho junto a ponte do Guaíba, e do km 0, em Osório.
Cuidados ao dirigir
A expectativa criada pela construção da autoestrada deu lugar à ansiedade pela sensação de rodar e pelo o que ocorria no trecho entre Porto Alegre e Osório. A freeway virou assunto recorrente nos jornais, emissoras de rádio e televisões. Não custou muito, para a Rádio Gaúcha que, junto com ZH acompanhava diariamente o percurso, anunciar o primeiro buraco da freeway. Na eminência do próximo veraneio, os gaúchos queriam saber tudo sobre a estrada.
As pistas duplas permitiam velocidades de 80 km/h a 120 km/h, limite que os motoristas não estavam acostumados no país. Embora os longos trechos de retas, haviam as curvas de alta velocidade e, na região da Lagoa dos Barros, o vento forte, até hoje lembrado como “os perigosos ventos laterais”. O número elevado de caminhões e os riscos da chuva e da neblina também preocupavam.
A saída para orientar os motoristas foram os de folhetos com orientação do DNER e a consulta de ZERO HORA a um conhecido preparador de carros de corridas à época, as famosas carreteras. Salvino Di Nardo explicou como deveriam ser as reações do condutor para cada trecho, momento e situação, o que certamente, ajudou muitos enfrentarem os desafios da estrada de maior velocidade no país e evitarem riscos de acidentes.
Como tudo que ocorria na freeway era notícia, depois do primeiro acidente e do primeiro buraco, foi a vez dos primeiros biquinis que ganharam espaço na cobertura do jornal. Na sequência dos fatos sobre a estrada, um repercutiu além das fronteiras do estado. O então campeão mundial da Fórmula-1, Emerson Fittipaldi, testou os limites de velocidade da estrada.
Nos 50 anos do histórico 26 de setembro, hoje comemorado, a freeway passou por sucessivos aperfeiçoamentos, ampliações e atualizações que garantiram continuar sendo a melhor rodovia do estado e estar entre as sete melhores do país.
Com as atualizações na infraestrutura, na segurança e nos serviços, a capacidade de 300 carros por hora, nos primeiros momentos, saltou para mais de cinco mil a cada 60 minutos, volume comum nos horários de maior movimento em feriadões de Ano Novo e carnaval e fins de semana da temporada de veraneio. Os 20 mil carros dos primeiros finais de semana, hoje passam dos 200 mil entre sexta-feira e sábado nos meses de maior movimento.