A estrutura da Justiça brasileira está pensada para impedir que inocentes sejam condenados. Essa garantia é a inspiração para as várias instâncias e recursos – em excesso, afirmam muitos. Uma decisão definitiva pode levar anos, ainda mais quando os réus têm bons advogados. De fato, esses mecanismos de proteção contra injustiças não impedem erros eventuais. Além disso, acabam sendo usados para postergar decisões, de preferência até que prescrevam. Com o perdão dos especialistas, tentarei simplificar.
A prescrição é um mecanismo sábio, porque, teoricamente, obrigaria o Judiciário a dar celeridade às decisões e impediria que, de um lado, as vítimas ficassem desamparadas e, por outro, que os réus vivessem com facas apontadas para seus pescoços eternamente. Na prática, a complexidade dos processos, a pressão da demanda e a falta de estrutura para atendê-la acabam transformando essas garantias democráticas em brechas para agredir a lógica do sistema. Foi o que aconteceu, por exemplo, no caso Kiss. Dez anos depois, ainda há questões pendentes. Lembram-se da Lava-Jato? Políticos corruptos presos, promessas de moralização e euforia com a faxina. Pouco tempo depois, o juiz que julgou boa parte dos casos vestiu a camiseta do time que venceu. O mesmo tribunal pelo qual tramitaram várias das decisões entendeu, subitamente, que o caminho estava errado. E boa parte dos condenados recuperou o direito de se candidatar, inclusive o atual presidente da República.
Logo, com a devida vênia, a postura firme das autoridades e dos poderes depois da baderna em Brasília não me impressiona e nem me empolga. Logo, um outro escândalo ocupará as manchetes e turbinará os grupos de WhatsApp. Dizem alguns: dessa vez mexeram com o STF, com o Executivo e com o Congresso ao mesmo tempo. Mas o sistema é um pântano do qual nada escapa. Nem nossa memória. Não duvide de que, daqui a pouco, em nome da pacificação nacional, o próximo dono da caneta resolva anistiar todo mundo. “Precisamos construir o Brasil do futuro juntos”. Já consigo escutar o blá-blá-blá: “Vamos olhar para frente”. Como se fosse possível olhar para frente sem resolver o passado. Então, Alexandre de Moraes será lançado candidato à Presidência, com o dono da Havan de vice. Não duvide. É só olhar para trás. Não muito para trás. Uns quatro ou cinco anos, no máximo. Eu sei: no Brasil, isso é tempo demais para lembrar.