São justas e, ao mesmo tempo, exageradas as críticas ao Catar, o país da Copa. Justas, porque o relativismo cultural não pode ser confundido com vale-tudo. Cada povo tem seus hábitos e costumes, mas devemos, todos, lutar por valores universais. Entre eles, a liberdade de fé, de pensamento e de identidade de gênero, sem margem para qualquer espécie de discriminação. Há também as denúncias de mortes e de trabalho escravo na construção dos estádios, lamentáveis e inaceitáveis. O Catar está longe de ser uma democracia, muito longe. Por tudo isso, ferro neles.
O país-sede da Copa do Mundo tem mais de 60% do PIB ligado ao petróleo. As exigências de sustentabilidade ambiental e as pesquisas com energias limpas indicam que o fim desse ciclo está cada vez mais próximo. A festa do dinheiro fácil vai acabar, o que é uma boa notícia, já que, além de poluir, o combustível fóssil sustenta algumas das ditaduras mais sanguinárias do planeta. A Copa é marketing para aumentar as receitas do turismo? Sim, mas vai além.
A realização de uma competição aberta para o mundo pode ser encarada como um bom sinal. Vimos, na cerimônia inaugural, apelos que passaram pela diversidade e pelo respeito.
Se um pássaro nasceu em uma gaiola, não adianta abri-la, pensando que isso significa liberdade. Com certeza, a ave morreria de fome ou pela ação do primeiro predador que cruzasse seu caminho. Mudanças culturais levam tempo. Exigem inteligência e perseverança.
Vale lembrar que, a cerca de 500 quilômetros dali, os Emirados Árabes Unidos assinaram recentemente um acordo de paz com Israel, precedido de ensaios que passaram pela presença de atletas israelenses em competições em Dubai, onde o hino do país, até então inimigo, foi tocado pela primeira vez. Um teste que deu certo. Israel não está na Copa, mas o Ocidente, sim.
Em 1991, a Argélia, que não tinha cultura democrática, realizou eleições livres. Os ultrarradicais religiosos da Frente Islâmica de Salvação venceram o primeiro turno. Não houve segundo. Um golpe, com o apoio do Ocidente, encerrou a conversa para sempre. Por isso, a Copa do Catar pode ser encarada como a metade cheia ou como a metade vazia do copo. Ou como ambas, o que me parece mais correto, já que as duas compõem um todo. De ar e de água, porque álcool é proibido por lá. Quanto a isso, nada a opor. Essa sim é uma questão cultural e religiosa que precisa ser respeitada.