Nada há de imoral ou de ilegal em optar pelo “tanto faz” ou pelo “que se lixem todos”. Essa é a beleza da democracia. Ela nos oferece a possibilidade de protestar, com o voto, em vez de botar fogo nas ruas ou de quebrar vidraças. Defendo um princípio amplo de liberdade individual. Ninguém é obrigado a escolher entre alternativas que considera igualmente ruins. Há justificativas conceituais sólidas que amparam os votos branco e nulo.
Quatro anos atrás, antes do segundo turno, um amigo disse: “Me imagino em um penhasco estreito. Na esquerda, um abismo. Na direita, outro. Se eu ficar parado, um raio vai cair na minha cabeça. Pois que seja assim. Me recuso a fazer qualquer movimento voluntário na direção da autodestruição”. Podemos concordar ou não, mas é uma reflexão interessante. Discutir ideias não machuca, embora seja verdade que se abster da escolha ajuda a eleger a pior opção. Mas se todas forem as piores na visão de quem está, soberano e só, na cabine de votação?
Na mesma linha, uma falácia clássica: quem não escolhe um candidato não pode reclamar depois. Se alguém lhe disser isso, aplauda. Você está diante de uma obra-prima da estreiteza intelectual, que não resiste à mais simples das análises. Claro que pode reclamar depois, sempre. Os votos branco ou nulo não suprimem qualquer direto ou dever do cidadão. Se fosse assim, quem votou no candidato eleito jamais poderia criticar e quem optou pelo derrotado estaria impedido de elogiar. Só se quem votasse branco ou nulo ficasse dispensado de pagar impostos. Aí sim faria algum sentido.
Ninguém deveria ser xingado ou ter vergonha por exercer qualquer das possibilidades contempladas pela lei, tanto que existem espaços definidos para os votos nulo e branco, que podem, além da rejeição pontual a nomes e propostas, significar várias outras coisas: desinteresse, apatia, erro de digitação ou até uma forma de manifestar, legalmente, a discordância com a obrigação de sair de casa para digitar em uma urna eletrônica: “Eu preferia estar cuidando das minhas plantas, ou jogando dominó, ou lendo ZH, ou dormindo, ou visitando meus netos”. O voto é uma manifestação individual. E protestar faz parte do jogo. Quando o jogo passa a atacar e a deslegitimar o protesto democrático, chegamos a um ponto de extremo perigo. A pressão vai acabar explodindo em algum lugar. É sempre assim.