Em meio ao circo em que se transformou a sessão do impeachment de Dilma Rousseff, um parlamentar gaúcho se dirigiu, circunspecto, ao microfone para anunciar seu voto “sim”. “Que Deus nos dê serenidade para encarar tudo o que virá pela frente”, emendou, em tom grave, naquele 17 de abril de 2016. A frieza preocupada e profética contrastava com o alarido absurdamente festivo do Congresso. A frase de José Fogaça, que não é petista e votou a favor do afastamento da presidente, acabou ofuscada diante de tantos “abraços aos meus filhos e ao povo de Cafundó ”. O termo “família”, aliás, foi usado mais de 110 vezes no plenário.
Passados mais de cinco anos, me pergunto se o desejo de Fogaça foi atendido. A resposta que me ocorre é o mesmo “sim” ouvido 367 vezes naquele dia, mas com uma ressalva. Deus até pode ter nos dado a serenidade e o equilíbrio, mas não soubemos o que fazer com os presentes. Em vez de buscar a construção e o diálogo, aprofundamos o radicalismo e as mágoas. Emocionalizamos a política de um jeito perigoso. E, agora, mais uma vez, cresce o coro dos que pedem impeachment. Só que, conforme previa Fogaça, se Jair Bolsonaro for realmente retirado do poder, mais uma vez haverá o depois. Ser “contra” é pouco, é menos que nada se não vier acompanhado de uma perspectiva segura de normalidade democrática. Não vislumbro isso no Brasil de hoje e, se há uma forma de chegar lá, é pelo voto.
Corre-se o risco, alimentando o burburinho sobre impeachment tão perto de uma nova eleição, de o país desviar energias dos dois únicos focos realmente importantes. O primeiro é combater a pandemia. O segundo é construir candidaturas democráticas e que conversem com um futuro mais luminoso para o país.