Ao divulgar imagens e áudios que nada têm a ver com a acusação central de um processo, o STF dá sinais de que deixou a questão jurídica em segundo plano e está, através de parte de seus integrantes, mais preocupado em fazer política. Interpretar a Constituição é, muitas vezes, complexo. Justamente por isso, uma Suprema Corte, guardiã das leis mais relevantes do pais, deve ser composta por homens e mulheres experientes e de grande saber. Se fosse fácil, todos os julgamentos no STF seriam unânimes. Sempre há, porém, embasamento para seguir um rumo ou outro.
As pessoas de bom senso ficaram chocadas com o desrespeito à liturgia e à boa educação demonstrado por integrantes da malfadada reunião. Mas, de fato, os devaneios do ministro da Educação e a falsa malandragem do ministro do Meio Ambiente nada tem a ver com as denúncias de tentativa de interferência na Polícia Federal por parte do presidente. Por isso, não deveriam ser liberados, mesmo que tenham relevância e interesse público. Não exponho aqui meu ponto de vista para defender o presidente e seu governo, mas sim em nome de uma visão ampla e perene de Justiça.
Mais uma vez, o conceito da transparência foi distorcido. Se ele fosse aplicado de forma radical e cega, teríamos o direito a acompanhar gravações do ministro conversando com seus assessores sobre o voto e mesmo as suas reações enquanto via as imagens da reunião entre Bolsonaro e seu primeiro escalão. Se, em uma das pausas no vídeo, o ministro tivesse atendido ao telefone e falado sobre outros assunto de interesse da Nação, precisaríamos tomar conhecimento urgente, bem como saber dos eventuais comentários que fez com seus colegas do STF. Isso não é transparência, é violência.
Talvez as repercussões da decisão de oferecer à opinião púbica a íntegra do vídeo – com exceção das partes onde se fala mal da China – tenha efeitos positivos de curto prazo, com a revelação de um governo desorientado, grosseiro e despreocupado com a pandemia. Mas é impossível calcular agora as consequências de longo prazo do precedente. Não seria surpresa se, lá adiante, em outra circunstância, nossa Suprema Corte precise parir uma segunda interpretação torta para arrumar o estrago feito agora. Movimentos como esse enfraquecem a Justiça, tanto ou mais do que as bravatas de um presidente que se alimenta do conflito.