A Grande Fuga (The Great Escaper, 2023), que estreia nesta quinta-feira (27) no Espaço Bourbon Country, no GNC Iguatemi, no GNC Moinhos e no GNC Praia de Belas, seria candidato a sucesso de bilheteria em um saudoso cinema de Porto Alegre: o Guion Center, fechado em setembro de 2021 após 26 anos de funcionamento. O filme reúne ingredientes que costumavam atrair o público para as salas localizadas na Cidade Baixa, vide o desempenho de títulos como O Carteiro e o Poeta (1994), Dança Comigo? (1996), Vá Aonde o seu Coração Mandar (1996), Tudo sobre Minha Mãe (1999), As Invasões Bárbaras (2003) e O Tempero da Vida (2003). É uma história de viagem com direito a idas e vindas para o passado, tem personagem na iminência da morte, retrata uma busca por paz espiritual, rima doçura com amargura — mas com dose maior de açúcar, que é para gerar a propaganda boca a boca — e dá protagonismo aos idosos, incluindo um casal com ares de Elsa e Fred (2005), a comédia romântica argentina que ficou 28 semanas em cartaz.
Quis o destino que o filme dirigido por Oliver Parker, de Othello (1995) e O Retorno de Johnny English (2011), marcasse a despedida de dois ícones do cinema britânico: Michael Caine, 91 anos, que anunciou sua aposentadoria pouco antes do lançamento de A Grande Fuga, e Glenda Jackson, que morreu em junho de 2023, aos 87.
Caine ganhou duas vezes o Oscar de ator coadjuvante, por Hannah e suas Irmãs (1986) e por Regras da Vida (1999), e recebeu quatro indicações ao prêmio de melhor ator, por Alfie: Como Conquistar as Mulheres (1966), Jogo Mortal (1972), O Despertar de Rita (1983) e O Americano Tranquilo (2002). Nas duas últimas décadas, estabeleceu uma sólida parceria com o diretor Christopher Nolan, atuando em sete filmes — a trilogia Batman (2005-2012), O Grande Truque (2006), A Origem (2010), Interestelar (2014) e Tenet (2020) — e narrando Dunkirk (2017).
Jackson venceu o Oscar de melhor atriz duas vezes, por Mulheres Apaixonadas (1970) e por Um Toque de Classe (1973), e foi indicada na mesma categoria por Domingo Maldito (1971) e Hedda (1975). Em 1992, ela abandonou a carreira para ser política — foi eleita deputada e chegou a ser ministra do Transporte no governo do primeiro-ministro Tony Blair.
Na trama ambientada em 2014 e baseada em uma história real, Caine interpreta Bernie Jordan, e Jackson encarna Rene, sua esposa. Ambos vivem em um lar geriátrico de Hove, cidade litorânea inglesa de onde o quase nonagenário Bernie pretende dar uma fugidinha: veterano da Segunda Guerra Mundial, ele quer ir à França para participar das comemorações dos 70 anos do Dia D, o desembarque das tropas aliadas na Normandia, um episódio determinante para a vitória sobre as forças de Hitler. Não há mais vagas nas excursões oficiais que vão cruzar o Canal da Mancha, então o protagonista dá um jeito de viajar por conta própria, sem avisar a enfermagem, mas com a conivência de Rene.
A jornada de Bernie é intercalada por flashbacks que relembram tanto o início de seu romance com Rene quanto sua experiência militar no 6 de junho de 1944. No presente, ele encontra coadjuvantes como Arthur (John Standing), que era piloto da RAF, a força aérea britânica, na Segunda Guerra, e Scott (Victor Oshin), um jovem ex-soldado que perdeu uma perna em um campo minado. Também depara com um grupo de alemães, em um dos momentos bonitos e impactantes do filme, quando o reconhecimento da honra entre adversários faz lembrar aquele célebre aforismo: "A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam se matam, por decisões de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam".
Os acontecimentos, os diálogos e as revelações permitem a A Grande Fuga refletir sobre temas como o estresse pós-traumático, a noção de heroísmo e a culpa, além de abordar as vicissitudes da velhice. Apesar de adotar um tom leve, como se fosse uma daquelas comédias que reverenciam travessuras da terceira idade, o filme surpreende por evitar o ufanismo. O personagem de Michael Caine tem sempre uma tirada de humor na ponta da língua, contudo, seu olhar é desencantado. Bernie não quer ir à Normandia para relembrar um triunfo, mas para pedir perdão. E a guerra é o que é: um desperdício, como ele diz na visita ao cemitério de Bayeux, quando a câmera se afasta para deixar a imagem ser tomada pelas milhares de sepulturas dos soldados mortos em 1944.