Lançado há poucos dias pelo Amazon Prime Video, sem passar pelos cinemas brasileiros, Saltburn (2023) é o segundo longa-metragem da cineasta Emerald Fennell, que ganhou o Oscar de melhor roteiro original na sua estreia, Bela Vingança (2020). Nesse título, a diretora, roteirista e atriz britânica fez uma crítica mordaz à cultura do estupro. Agora, tendo novamente um protagonista obcecado e que usa o sexo (ou a promessa de sexo) como arma, ela mira o esnobismo, a hipocrisia e a alienação da aristocracia.
A trama se passa em 2006 e acompanha a trajetória de um desprestigiado calouro da prestigiadíssima Universidade de Oxford, Oliver Quick — papel de Barry Keoghan, indicado ao Oscar de ator coadjuvante por Os Banshees de Inisherin (2022). Como o personagem de O Talentoso Ripley (o livro de Patricia Highsmith levado ao cinema em 1960 e em 1999), ele almeja a dolce vita — e também cobiça o bonitão e popular Felix Catton (Jacob Elordi, da série Euphoria, da trilogia A Barraca do Beijo e o Elvis Presley da cinebiografia Priscilla).
Um acidente com a bicicleta de Felix coloca Oliver na rota do sol — o ápice é o convite para passar as férias de verão na mansão da família Catton. Lá, será recebido por Sir James (Richard E. Grant), o pai, Elspeth (Rosamund Pike), a mãe, Venetia (Alison Oliver), a irmã, Farleigh (Archie Madekwe), o primo, e Duncan (Paul Rhys), o mordomo — além da "pobre querida" Pamela (Carey Mulligan, a estrela de Bela Vingança, aqui fazendo apenas uma breve porém importante participação).
Na mansão onde evoca o clássico Teorema (1968), de Pier Paolo Pasolini, Emerald Fennell expõe contrastes e idiossincrasias: a suntuosidade convive com a decadência, realçada por uma direção de fotografia que dá preferência às sombras e à escuridão; os corpos lindos escamoteiam fragilidades psicológicas; os Catton são eruditos nos modos e nos diálogos, mas de noite veem filmes popularescos; os jantares exigem formalidades e jamais podem ser cancelados, mesmo em caso de morte.
Ainda que algumas cenas estejam destinadas a perdurarem na memória do espectador (como a do ralo da banheira ou a da dança do epílogo), Saltburn não é tão marcante quanto Bela Vingança. Talvez porque, a certa altura, passe a investir demais nos códigos do thriller de suspense, com reviravoltas e explicações. Mas sobrevivem as atuações de Rosamund Pike e, principalmente, Barry Keoghan (ambos concorrem ao Globo de Ouro). Com um rosto entre o estranho e o atraente, o ator irlandês pode, no mesmo instante, expressar sentimentos conflitantes como vulnerabilidade e perversidade. Aos 31 anos, parece ter um futuro radiante pela frente.