Por coincidência, em 2023 foram lançados dois longas-metragens brasileiros que reconstituem trajetórias musicais de sucesso surgidas na mesma época e interrompidas por um acidente quando os artistas — todos de origem humilde — ainda estavam no auge: Nosso Sonho, já disponível para aluguel nas plataformas digitais, e Mamonas Assassinas: O Filme, que estreia nesta quinta-feira (28) nos cinemas.
Dirigido por Eduardo Albergaria, Nosso Sonho conta a história de Claudinho & Buchecha, dupla de funk nascida em Niterói, em 1995, com o Rap do Salgueiro. Foi o primeiro hit de uma parceria que vendeu milhões de discos graças a músicas como Conquista, Nosso Sonho, Quero te Encontrar e Só Love. Em 13 de julho de 2002, ao voltar de um show de divulgação do sexto álbum, Claudinho morreu quando o carro pilotado por um empresário saiu da pista e bateu fortemente em uma árvore.
Mamonas Assassinas: O Filme tem direção de Edson Spinello, que traz no currículo novelas da Record como Rei Davi (2012), Balacobaco (2012-2013) e Apocalipse (2017) — aliás, o longa-metragem vai virar uma minissérie no mesmo canal. Em cena, estão os cinco jovens de Guarulhos (SP) que, após ralarem muito tempo como a banda Utopia (primeiro de covers, depois de rock progressivo), em 1994 trocaram de nome e de estilo. Os Mamonas Assassinas conquistaram adultos e crianças do Brasil com músicas em que alternavam ritmos — do pagode romântico ao heavy metal, do folclore português ao sertanejo ou ao forró — e cantavam letras cheias de humor politicamente incorreto, como Pelados em Santos (a da mina com "seus cabelo da hora" que deixa o cara "doidião"), Robocop Gay, Jumento Celestino e Vira-Vira, cujos versos dizem: "Roda, roda e vira, solta a roda e vem / Me passaram a mão na bunda e ainda não comi ninguém / Roda, roda e vira, solta a roda e vem / Neste raio de suruba já me passaram a mão na bunda / E ainda não comi ninguém". A glória foi imediata e fugaz: passaram-se apenas oito meses entre o lançamento de seu único disco e a tragédia aérea que matou Dinho (voz), Júlio Rasec (teclado, percussão e vocais), Bento Hinoto (guitarra), Samuel Reoli (baixo) e Sérgio Reoli (bateria).
Estruturalmente, as duas cinebiografias também são semelhantes. Nosso Sonho começa na noite da morte de Claudinho e aí, por meio das lembranças de Buchecha, retrocede no tempo para contar os passos da dupla desde quando era piás. Na abertura de Mamonas Assassinas: O Filme, uma narração em off do personagem Dinho, "do outro lado da vida", como ele diz, nos leva para o início da história da banda.
Artisticamente, porém, há um abismo separando os dois filmes.
Há apenas dois pontos positivos na cinebiografia dos Mamonas. O primeiro acerto é não focar no desastre de avião que abalou o país naquele domingo, 2 de março de 1996.
— O acidente foi algo muito forte para todo mundo. um luto muito avassalador. Não faria sentido a gente sublinhar isso — comentou, em entrevista concedida à coluna, o ator Robson Lima, que faz o papel de Júlio Rasec. — Como na vida real, no filme meu personagem sonha com um avião caindo. Mas a maior mensagem que deveria ficar dos meninos era a alegria. Queríamos ressaltar os bons momentos, o legado dos Mamonas.
Rhener Freitas, que interpreta Sérgio Reoli, acrescentou:
— Do ocorrido, todo mundo sabe detalhes. O que a geral não sabe é como a banda começou, não sabe que eles já estavam no corre por cinco, seis anos.
Os dois atores mal eram nascidos quando o quinteto irreverente morreu, mas testemunharam em casa uma idolatria que persiste até hoje — no Spotify, os Mamonas têm 1,4 milhão de ouvintes mensais.
— Meu irmão mais velho sempre foi um grande fã — contou Rhener, 27 anos. — Tenho a lembrança clara de entrar na sala e assistir durante horas as fitas de videocassete que ele gravou de shows da banda e participações na TV.
O segundo acerto de Mamonas Assassinas: O Filme foi repetir a escalação de Ruy Brissac como Dinho. Com a experiência de ter encarnado o personagem no musical que percorreu os palcos brasileiros, o ator consegue emular tanto o carisma quanto o talento do vocalista — é ele mesmo que canta. Aliás, as músicas são interpretadas pelo próprio elenco, completado por Adriano Tunes, como Samuel Reoli, e Alberto Hinoto, que faz seu tio, Bento Hinoto.
Talvez ouvir os Mamonas no cinema seja um terceiro ponto positivo, porque, de resto, o filme deixa muito a desejar. O roteiro não se debruça sobre as inspirações das canções e acaba enchendo muito a bola do produtor musical Rick Bonadio. Com a já citada exceção de Brissac, as atuações beiram o amadorismo e são prejudicadas por subtramas românticas com zero química entre os casais ou até triângulos. A direção de fotografia é monótona, e a montagem deixa vazios nos finais das cenas. A coisa só não é pior porque acaba mais ou menos logo: tem 90 minutos de duração.