Em cartaz no canal Telecine do Amazon Prime Video e do Globoplay, Um Herói (Ghahreman, 2021) é o nono longa-metragem de Asghar Farhadi, um dos mais premiados cineastas do prestigiadíssimo cinema iraniano.
Aos 51 anos, ele já conquistou duas vezes o Oscar de melhor filme internacional, com A Separação (2011), também vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim, e O Apartamento (2016), também ganhador do troféu de roteiro no Festival de Cannes. Em Berlim, recebeu ainda o Urso de Prata de melhor direção por Procurando Elly (2009). Em Cannes, foi laureado ainda por O Passado (2013, prêmio do júri ecumênico) e pelo próprio Um Herói (com o Grand Prix).
Na trama que concorreu ao Globo de Ouro e ao Critics' Choice de longa estrangeiro, Rahim (Amir Jadidi) está na prisão devido a uma dívida que não conseguiu pagar. Durante uma licença de dois dias, ele arma um plano com sua namorada (Sahar Goldust), que achou na rua uma sacola com ouro, e tenta convencer o seu credor a retirar a sua queixa mediante o pagamento de parte da quantia. Mas as coisas não correm de acordo com o plano…
Um Herói marcou o retorno de Farhadi ao Irã, após filmar Todos Já Sabem (2018) na Espanha. Mas ele preferiu evitar Teerã, a capital, como cenário. Resolveu situar a trama em Shiraz, no sudoeste do país. Primeiro porque, nas suas palavras, é um lugar onde "há muitas ruínas históricas, traços importantes e gloriosos da identidade iraniana". Segundo por causa do enredo, que envolve diferentes membros de uma família: "As relações familiares são mais desenvolvidas nas cidades pequenas. Quando um dos membros enfrenta um problema, todo mundo se envolve. Eu cresci nesse tipo de ambiente sociocultural. Vinte anos atrás, a frase 'Não é problema meu' não existia na língua iraniana. Esse comportamento foi importado e materializa um novo modelo de relacionamento na nossa sociedade".
Desde o início da carreira, o diretor demonstra habilidade em lançar mão dos códigos do suspense (como as reviravoltas) e do drama de tribunal para refletir sobre a sociedade contemporânea em seu país e retratar conflitos familiares. Em Um Herói, Farhadi apresenta uma história kafkiana, um pesadelo sobre julgamento (penal e social) no qual se destacam o absurdo e a burocracia, mas com um protagonista ambíguo. Aliás, seus personagens não são mocinhos nem vilões, mas pessoas que, diante das circunstâncias, do azar, da pressão ou das oportunidades, podem conquistar ou falhar.
A cada cena, nós, como espectadores, somos instigados a nos posicionar em situações complexas nas quais os atos podem não ser justificados, mas quem sabe compreendidos, e nas quais todos os envolvidos têm um pouco de razão — logo, injustiças são frequentes, ainda mais em um mundo ultramidiático e apressado como o atual. O irônico é que o próprio Asghar Farhadi viu-se no meio de um furacão por causa de Um Herói. Uma ex-aluna sua, Azadeh Masihzadeh, acusou o diretor de plagiar um documentário que ela produzira, chamado, em inglês, de All Winners, All Losers.