Vamos começar com a boa notícia aos adultos que desejam matar saudade da própria infância ou que vão levar as crianças para ver Pluft, o Fantasminha (2022), adaptação de um clássico do teatro infantil brasileiro em cartaz a partir desta quinta-feira (21) nos cinemas: o filme é curtinho, dura 87 minutos.
Mas convém aos pais, avós, tios, irmãos mais velhos etc. estarem cientes: esta é uma produção decididamente voltada para os pequenos, sem aquelas camadas que encontramos nos desenhos animados da Pixar, por exemplo, sem a coleção de referências e piadas até sacanas das franquias campeãs de bilheteria (Meu Malvado Favorito/Minions e Shrek), sem a carga emocional de Turma da Mônica: Lições (2021), para citar um título nacional. A narrativa é simples e direta, os diálogos são expositivos, as atuações, no geral, apostam na caricatura, nos trejeitos, não raro na fala em tom exagerado, há correria, algazarra e uma longa briga de bar (com violência de mentirinha, é claro). E os efeitos visuais... Bem, daqui a pouco volto ao assunto.
Pluft, a peça, começou a nascer quando Maria Clara Machado (1921-2001), depois de confessar ao pai que sentia muito medo, recebeu a provocação: "Por que você não escreve sobre isso?".
Desde a estreia, em 1955, o espetáculo tem ajudado gerações a lidar com seus fantasmas, sejam os que vestem lençóis, sejam aqueles mais abstratos. A história fala sobre abrir os olhos ao desconhecido, enfatiza o poder da amizade e lembra: os verdadeiros tesouros não são os materiais.
A primeira versão cinematográfica surgiu em 1962, sob direção do franco-brasileiro Romain Lesage, trazendo no elenco Dirce Migliaccio (no papel de Pluft), Ira Etz (Maribel) e participações de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. A nova adaptação tem direção de Rosane Svartman, que havia mais de 10 anos não realizava um longa-metragem — o último fora outra obra infantil, Tainá: A Origem (2011).
O ponto de partida é o rapto da menina Maribel (uma encantadora Lola Belli, da minissérie Onde Está meu Coração), pelo pirata Perna de Pau (o pelotense Juliano Cazarré), que está atrás de um tesouro deixado pelo avô da guria, o Capitão Bonança. Partem para o resgate três marinheiros à la Trapalhões: Sebastião (Arthur Aguiar, campeão do BBB 22), João (Lucas Salles) e Julião (Hugo Germano — para mim, o destaque no elenco, que conta com Gregorio Duvivier em um pequeno papel).
Essa trama vai se cruzar com a de Pluft (Nicolas Cruz), um fantasma que morre de medo das pessoas e que mora com sua família peculiar — entre os personagens, estão a mãe (Fabiula Nascimento) e o Tio Gerúndio (José Lavigne). E é aí que moram, também, dois problemas do filme.
O primeiro é a falta de carisma justamente do personagem título. Em seu primeiro papel na carreira, Cruz ainda não tem traquejo como ator. Seus olhos quase nunca traduzem o que a boca está dizendo. Aliás, a voz carece de modulações, tanto de humor quanto de ritmo. Você pode achar que é uma exigência de adulto, mas até a nossa filha caçula, a Aurora, oito anos, torceu o nariz para a interpretação do guri.
Mas a Aurora curtiu os efeitos visuais, especialmente as duas ou três cenas nas quais o 3D efetivamente é usado (o filme também está sendo lançado em cópias normais). Não se pode reclamar da falta de criatividade e de esforço da produção: para criar o movimento fluido da flutuação dos fantasmas (que não sofrem os efeitos da força da gravidade), as cenas com Pluft e seus familiares foram realizadas no fundo de uma piscina com seis metros de profundidade. Os atores fizeram aulas de mergulho e apneia por cerca de dois meses. Dentro d'água, precisaram usar pesos por debaixo da roupa para ganharem estabilidade, além de colocar soro nos olhos para evitar que ficassem vermelhos. Depois, na pós-produção, as imagens foram finalizadas com recursos da computação gráfica.
No cinema, o truque fica evidente o tempo todo. Seja por causa das bolhas de ar que não chegaram a ser bem apagadas digitalmente, seja pelo movimento dos cabelos, seja pelo rosto de, novamente, Nicolas Cruz: em algumas cenas, é possível perceber que o ator mirim está segurando a respiração. Cheguei a sentir pena.