Invasão Zumbi (2016) conseguiu se distinguir em um subgênero do terror já bastante povoado. O diretor sul-coreano Yeon Sang-ho injetou sangue e neurônios aos filmes de mortos-vivos. As apavorantes criaturas que se multiplicam em um trem para Busan nos lembram: a qualquer momento, as circunstâncias (políticas, econômicas, sanitárias etc) podem tornar irreconhecíveis as pessoas ao nosso redor. Estão sempre em xeque os laços sociais e afetivos que nos dão identidade e segurança.
Combinando essa reflexão a uma tensão desgraçada, só quebrada pela imprevisibilidade das cenas de ataque, Invasão Zumbi (disponível na Netflix, no Google Play e no YouTube) conquistou público e crítica. Décima-primeira maior bilheteria na Coreia do Sul, arrecadou quase US$ 100 milhões mundialmente e tem 94% de avaliação positiva no Rotten Tomatoes.
Nesta quinta-feira (26), estreia nos cinemas Invasão Zumbi 2: Península (2020), dirigido por Yeon Sang-ho. Mas esse trem não me pegou.
O cineasta pesou a mão na ação e esqueceu de desenvolver os personagens. Investiu nos efeitos visuais e deixou de lado outras camadas de leitura. Em vez de empatia, provoca apatia, ainda que temperada por um pouco de susto e um pouco de asco.
A história se passa quatro anos após os eventos narrados no primeiro filme, mas não há muita ligação entre os dois títulos. É como se Sang-ho estivesse criando uma franquia não sequencial.
Jeong-seok (interpretado por Gang Dong-won, sem carisma) é um ex-militar traumatizado por uma tragédia familiar: sua irmã e seu sobrinho foram infectados em uma balsa que tiraria humanos da Coreia do Sul. Agora, o protagonista e seu cunhado estão envolvidos com o submundo de Hong Kong. Um chefão do crime faz uma oferta tão tentadora quanto perigosa: voltar à Coreia, a península do título, para recuperar um caminhão com US$ 20 milhões. Metade dessa grana ficaria com o time de resgate.
O caminhão é rapidamente encontrado, mas a patota logo comete uma patetice — ou o roteiro cobra caro de nossa suspensão da descrença, você decide — e acaba atraindo uma horda de zumbis. Que são rápidos, vale lembrar, e mais espertos do que de costume (parece estar no DNA do morto-vivo sul-coreano, vide o bem mais interessante #Alive). Realmente, continuam aterrorizantes.
A partir daí, o filme se alterna entre combates corpo a corpo, exibições de tiro ao alvo e perseguições de carro. Surgem personagens que, em tese, devem provocar algum tipo de conexão emocional com o espectador, mas as atuações deixam a desejar, ainda que seja bem feita a ligação com a sequência de abertura.
Enfim: o que era aflição pela perda da humanidade em Invasão Zumbi dá lugar a brutalidade (nas cenas de atropelamento) e sadismo (no esporte macabro que diverte uma milícia humana). Seguiremos nessa toada até o final, que impõe aos personagens principais uma encruzilhada moral como aquela do epílogo do primeiro filme. Mas se antes as ações e as consequências eram dolorosas e lancinantes, as de Península chegam a parecer autoparódia.