O que você pretende estar fazendo aos 91 anos? Angelina da Silva Pires, nascida em 31 de março de 1932, sabe muito bem: planejando a próxima viagem. Recém retornada de um roteiro de 10 dias pelo Marrocos, em setembro planeja instalar-se na casa de amigos nos arredores de Lisboa. De lá, se convencer os companheiros — todos bem mais jovens, diga-se —, gostaria de dar uma "espichadinha", de trem, até Madri.
Viajar parece estar no DNA de Angelina, mas nem sempre foi assim. Os itinerários regulares pelo Brasil e pelo Exterior só se iniciaram após ter criado as três filhas e, já aposentada do serviço público, apoiado na formação dos quatro netos e dos quatro bisnetos. Nascida na zona rural de Porto Alegre, neta de italianos, ela costurou o próprio vestido de noiva quando, para os padrões da época, passava da idade de casar. E rompeu padrões ao se desquitar, após 10 anos de casamento, e ingressar no curso de Direito. Sua primeira saída do país, aliás, ocorreu como estudante universitária: participou de um congresso na Cidade do México e deu uma chegada nos Estados Unidos.
Com um hiato de 20 anos, enquanto se abastecia de ideias em programas de viagem na TV, partiu com uma prima de Porto Alegre para Macau, em 1994, onde ficou três meses conhecendo também Bali, Hong Kong e o interior da China. A saudade no primeiro Natal longe da família era amenizada com cartas e cartões-postais, mas a bagagem voltou recheada de memórias e vontades. Depois, nos anos 2000, passou a visitar regularmente a Europa, boa parte da América do Sul e quase todo o Brasil — as exceções são Tocantins e Amapá. Entre os 46 países visitados, voltou a alguns várias vezes, como à Itália, onde aportou na terra do avô, Brescia, na Lombardia.
Angelina tem uma parede cheia de pratos de porcelana trazidos desses locais, uma cristaleira abarrotada de bonecas típicas, mas a coleção da qual se orgulha mais é a dos amigos angariados no caminho. No dia em que conversamos, aguardava uma delas, fruto da primeira ida à Europa e vinda do Espírito Santo. Costumava registrar essas lembranças em álbuns de fotografias, abandonados à medida que trocou a câmera fotográfica analógica pelo celular — teme perder as recordações e planeja armazená-las na nuvem digital. Numa das últimas viagens, um cruzeiro pelo Rio Danúbio, aprendeu a fazer selfies. Está em dia com o tempo, seja ele qual for.
É bom ressaltar que ela nem sempre é a veterana nos grupos com os quais viaja — num dos mais recentes, havia uma colega de 93 anos —, tampouco sente-se discriminada ou discrimina, gosta de grupos com gente de todas as idades. Ter boa saúde, reconhece, é uma vantagem: faz check-ups periódicos, só toma remédios para a pressão, usa meias de compressão para viajar e, há 23 anos, deixou de fumar — ver os companheiros se abanando para fugir da fumaça virou um marco. Desde muito tempo, presenciando casos de bagagens extraviadas, viaja só com a bagagem de mão. Abriu mão de sapatos de salto e roupas sociais —prefere tênis, jeans e camisetas.
Ao escolher os destinos, opta por cidades — aprecia arquitetura e história — e adora jardins. Antes de viajar, pesquisa usando a internet e lê muito — biografias estão entre as preferências — e não raro serve de referência aos outros viajantes.
— Sou uma curiosa, sei muito de tanto viver — diz.
Dica da viajante
Só no último embarque, aos 91 anos, Angelina solicitou assistência especial da companhia aérea, com preferência para quem tem mais de 80 anos. Antes com vergonha de pedir ajuda, agora ela recomenda a todos que precisarem.
O pedido de assistência especial deve ser indicado na compra do bilhete ou solicitado à companhia aérea até 72h antes do voo (cuidados médicos especiais) ou 48h (cadeira de rodas, andadores, bengalas).
A assistência é dada no check-in e despacho de bagagem, no deslocamento ao avião, nos controles de fronteira e de segurança, no embarque, na acomodação da bagagem de mão, nas conexões e transferências, no desembarque e acesso ao espaço público.
O que dizem os especialistas
Eduardo Garcia, pneumologista e geriatra da Santa Casa de Porto Alegre:
"A viagem é uma oportunidade de convívio social, de conhecer novos locais, de fazer novas conexões, o que é muito bom para as nossas sinapses. À medida que a gente envelhece, os neurônios morrem, porém eles são capazes de fazer novas conexões, às quais a gente chama de plasticidade neuronal, muito importantes no processo de envelhecimento, porque tendem a compensar a perda natural da idade. Ter os sentidos em dia, os olhos, a audição, o equilíbrio, não estar deprimido, conhecer novas pessoas, novos locais, ter experiências novas é muito importante. A viagem propicia tudo isso. Se a pessoa tem segurança e condição clínica que permita, com certeza a viagem é boa em qualquer idade."
Tiago Halewicz, diretor da Casamundi:
"Planeje: é fundamental conhecer seus limites físicos e organizacionais. Elabore o roteiro pensando na logística e no número de dias em que se dispõe a sair da rotina. Um agente de viagens ajuda a organizar não só o plano de viagem, mas um dia a dia adequado ao perfil de cada um. Grupos são ótima alternativa, principalmente se formados por pessoas com interesses afins.
Digitalize-se: estar por dentro dos recursos que o mundo digital oferece é um grande apoio. Em caso de roteiros internacionais, contrate um plano de roaming internacional ou adquira chips para telefone. Estar em contato com a família e amigos oferece mais segurança. O telefone conectado ajuda ainda a buscar atrações, consultar mapas e comprar ingressos para museus, passeios e espetáculos.
Faça um seguro de viagem (em alguns países é obrigatório). Seja qual for o destino, não deixe de contratá-lo e de ler as cláusulas de cobertura.
Menos é mais: reserve tempo para descanso — nem sempre visitar o maior número de atrações oferece uma experiência plena. Faça as refeições sem pressa, tente manter a rotina."