Se for dividido o número de moradores pelo de murais pintados nas paredes externas das casas de Cibiana di Cadore, a proporção aproximada seria de um para cada seis habitantes. Trocando em miúdos: na cidade italiana de 347 pessoas há mais de 60 murais estampados em construções que remontam aos séculos 16, 17 e 18, esparramadas em três áreas: Masarié, Cibiana di Sotto e Pianezze.
Bastaria a paisagem, nessa cidade a 985 metros de altitude (a máxima, considerando os picos de seu território, chega a 2.405 metros), para sugerir que, se você for ao norte da Itália, procure por ela, ainda que não esteja entre os pontos mais famosos, como a vizinha Cortina D’Ampezzo, a 20 quilômetros dali.
É que, nos anos 1980, o ativista cultural e visionário Osvaldo Da Col teve a ideia de transformar o lugar em um museu a céu aberto, convidando artistas italianos e estrangeiros para contar em forma de murais gigantes a história das casas e de seus ocupantes (o ferreiro, o leiteiro, o moleiro, o carvoeiro...), de momentos da vida comunitária (na procissão de Corpus Christi você verá o próprio Osvaldo representado), da história de quem emigrou até meados do século 20 (em 1946, havia cerca de 1,6 mil habitantes) e dramas recentes não locais, como o que o artista curdo N. Khaleghpour pintou retratando a diáspora de seu povo.
Primeiro, percorri a pé as ruas estreitas para ver os murais de Cibiana di Sotto e Masarié – é bom observar que são necessárias pelo menos duas horas e meia para fazer todo o circuito a pé, em terreno íngreme. Já no final do verão, poucas casas pareciam habitadas, mas de vez em quando surgia uma senhora passeando com seus gatos na coleira ou outra vinha à janela para lamentar o fato de uma pequena igreja, de 1901, estar fechada. Depois, tive o privilégio de ser acompanhada, agora de carro, pelo próprio Osvaldo, 82 anos, pelas três áreas. Uma aula de cultura, história e entusiasmo de alguém que quis fazer sua comunidade ser reconhecida pela arte, para além da fabricação de chaves pela qual Cibiana é célebre.
Não espere hordas de turistas, ônibus de excursões ou lojinhas de suvenires. Há muitas casas e apartamentos para alugar no verão, mas como era final de temporada, sofri até para conseguir, numa pequena loja/bar, algo produzido no local, uma geleia de frutas vermelhas. Também não encontrei onde comer (o restaurante mais popular, o Taula dei Bos, estava fechado) – em compensação, na sequência experimentaria um dos melhores strudel que já provei, no Refúgio Remauro, no Passo Cibiana (leia mais no detalhe). Confesso não ter sentido fome.
— Ainda não conseguimos criar a economia do turismo — lamentava Osvaldo, informando que na alta temporada há mais de cem leitos disponíveis para visitantes.
Ter mais atrações seria fundamental para trazer turistas para admirar o trabalho metódico e incansável. Osvaldo recorda que, para realizar as primeiras pinturas, a cada ano eram convidados três artistas e cada um recebia a sugestão de 30 temas a serem pintados, mas com liberdade para criar suas obras. Ainda hoje, ganham transporte de qualquer lugar de onde vêm, hospedagem e alimentação. Nada é pago pelo trabalho, doado à cidade.
Mesmo que não tenham ainda conseguido despertar tanto o turismo quanto gostariam, Osvaldo e os outros idealizadores celebram as vitórias. Como aquela causada pelo mural Letra da Lontan (A carta de longe), de G. De Rocco. Ela retrata a desafortunada trajetória de um antigo morador que emigrou para a Argentina, mas também a ventura de seu neto, que voltou para Cibiana e restaurou uma das casas.
— Simboliza a esperança — diz Osvaldo.
A história não termina por aqui. O museu a céu aberto segue vivo, sempre à espera de um novo artista. E de visitantes.
Um dos mais recentes
L’Alpinista, de Diego Imperatore, de 2022, faz referência aos montanhistas, especialmente a um dos seus expoentes, Reinhold Andreas Messner, explorador italiano que escalou mais de 3,5 mil montanhas. Ele foi o idealizador do Messner Mountain Museum Dolomites ou Museu das Nuvens, instalado em uma antiga fortificação da Primeira Guerra no Monte Rite, a 2.181 metros de altitude e a pouco mais de 10 minutos do centro de Cibiana. Entre as muitas atrações, uma coleção de pinturas da coleção de Messner que representam a cadeia de montanhas Dolomitas, além de vistas espetaculares. Pode ser alcançado a partir do Refúgio Remauro, no Passo Cibiana, onde há estacionamento e transporte até o alto. Abre de 1º de junho a 30 de setembro.
Onde fica
Cibiana di Cadore se localiza a cerca de duas horas de carro de Veneza. A estação de trem mais próxima, para quem vem do norte da Itália, fica em Dobbiaco, a 45 quilômetros de San Vito di Cadore, ainda distante 30 quilômetros por via rodoviária de Cibiana.