Você leu aqui a história de um cicloturista que percorreu 7 mil quilômetros entre Guaporé, na serra gaúcha, e o Chile, numa viagem de 90 dias no início deste ano. Essa aventura nasceu de outra um pouco mais modesta, mas não menos interessante. O autor da façanha, Tamar Peretti, 49 anos, começou a acalentar o roteiro ao percorrer o interior de sua cidade, de bicicleta, fotografando pequenas capelas, a maioria de madeira, muitas delas abandonadas.
A ideia, surgida no final do primeiro semestre de 2020, era fotografar e filmar, divulgando as imagens nas redes sociais. Eram ainda momentos dramáticos da pandemia e Tamar tentava mudar de vida, se exercitar, enquanto buscava uma alternativa de renda, já que suas atividades como organizador de eventos e editor de uma revista ficaram prejudicados.
Criou um perfil no Instagram para divulgar os benefícios da atividade física e as belezas que via no caminho e, logo, o que chamou sua atenção foram as igrejas. Só em sua cidade, pedalando, visitou 34 templos no interior, 13 nos bairros da zona urbana, além da matriz, no Centro.
O sucesso nas redes fez com criasse o projeto "Valorizando nossas capelas", estendendo suas pedaladas para uma cidade vizinha, Serafina Corrêa. Em seguida vieram Dois Lajeados, São Valentim do Sul, União da Serra, Montauri, Casca e São Domingos do Sul, por onde ele segue palmilhando as comunidades no interior. Para financiar suas idas, tem apoio de famílias, empresas, prefeituras e outras entidades.
Nessa região de colonização italiana, habitada a partir da segunda metade do século 19 e início do século 20, a maioria das comunidades do interior formava núcleos constituídos por capelas ou capitéis, pela escola e por um salão. Com o êxodo rural das últimas décadas, muitas delas se esvaziaram e algumas das construções ficaram abandonadas.
— Infelizmente, várias acabaram destruídas ou são vítimas do descaso. Muita gente foi embora e se modificaram também os hábitos de fé. O projeto ajudou as pessoas a relembrarem a importância que tiveram na vida de muitos — observa Tamar.
Um desses exemplos emociona e orgulha o cicloturista. Na Linha Quarta, no interior de Guaporé, ele registrou a capela São Luiz em frangalhos. O mato tomava conta da construção e a porta estava deteriorada, assim como o interior.
— Dava dó, pois a igreja tinha um lindo altar de madeira trabalhado a mão, uma relíquia. Alguns ex-moradores haviam tentado restaurar e salvar a capela, mas não obtinham êxito _ diz ele.
Seis meses após fotografar e divulgar o estado da capela, Tamar foi convidado para sua reinauguração, quando ela ressurgiu tinindo de nova, após o esforço de pessoas da região que tinham alguma ligação com o lugar.
Por enquanto, as fotos e vídeos são divulgados apenas no Facebook e Instagram, mas um site está sendo montado para facilitar a busca e o arquivamento do material, que é compartilhado com prefeituras e paróquias. Outra proposta é elaborar um catálogo ou livro impresso com o material fotográfico.
Observações do cicloturista
- Em União da Serra, há pelo menos sete igrejas de madeira bem preservadas no interior.
- Na Linha 17 de Montauri, a capela São Pedro, construída em madeira em 1919, tem ao seu lado uma torre em pedras erguida entre 1925 e 1928 pelos moradores.
- Em Casca, a boa conservação das capelas é atribuída, por Tamar, a comunidades mais numerosas no município de vocação agrícola.
- Em São Domingos do Sul, a capela Nossa Senhora da Paz — mandada construir a pedido do Monsenhor João Benvegnú, que passa por processo de beatificação — foi inaugurada em 2 de abril de 1945.
- No caminho, Tamar também registra imagens de capitéis (pequenas capelas colocadas, em geral, à beira das estradas), casarões antigos e o dia a dia das comunidades. Confira outras imagens no perfil do Instagram @tamarperettioficial
A propósito
Até o dia 2 de outubro, o Centro Histórico-Cultural Santa Casa, em Porto Alegre, abriga a exposição Capelas & Ermidas — Arquitetura no espaço, vestígios no tempo, do fotógrafo André Antunes e do artista gráfico Zé Marcos Guimarães. O projeto revela capelas e ermidas construídas durante a colonização italiana, com um olhar interpretativo sobre a cultura italiana da serra gaúcha.
A visitação é gratuita, de segunda a sábado, das 8h às 18h. O CHC Santa Casa fica na Avenida Independência, 75, junto à Santa Casa.
Trem da Imigração
Com vagões temáticos das culturas alemã e italiana e dia com programação especial para famílias, a 1ª edição do Trem da Imigração, entre Colinas e Roca Sales, no Vale do Taquari, terá 10 passeios nos dias 4, 5 e 6 de novembro. O trajeto de 17 quilômetros dura cerca de uma hora. Morros às margens do Rio Taquari, dois túneis e três viadutos compõem o cenário da ferrovia, inaugurada em 1960.
Nos dois percursos (Colina-Roca Sales e Roca Sales-Colinas), o retorno ao local de partida é por transporte rodoviário. O valor do bilhete é de R$ 95 (vagão turístico) e R$ 129 (vagões temáticos germânicos e italianos), à venda no site tremdaimigracao.com.br ou pelo fone/whats (47) 3307-9977.