Das muitas viagens já vividas, o médico e fotógrafo Domingos Martins Costa não titubeia ao elogiar seu roteiro mais recente pelo sertão do Piauí:
— Fiquei impressionado com a beleza do lugar. Uma das melhores e mais surpreendentes viagens que já fiz.
Integrante de um grupo de seis pessoas cujo objetivo principal era a fotografia, ele exibe exultante, como resultado, um fotolivro com 49 imagens das mais de 3 mil registradas durante oito dias. Nele, há um retrato não apenas da paisagem natural, mas humana, já que Domingos entrou na casa das pessoas para fotografá-las.
O grupo fez um workshop e contou com a assistência de pessoas que se preocupavam com os melhores horários e locais para reproduzir as paisagens — para acompanhá-los, uma dupla de São Paulo, incluindo o fotógrafo Valdemir Cunha, e mais quatro guias/motoristas locais. A ideia era ir além da Serra da Capivara, já conhecida de (não) muitos turistas.
O médico de 69 anos hesitava em aventurar-se por aquela região de caatinga, em função do calor. Mas, durante a pandemia — sempre ela —, releu Os Sertões, de Euclides da Cunha, e foi pesquisando sobre o interior da Bahia, onde é ambientada a história, que foi atraído por cenários de outro ponto do Nordeste: o interior do Piauí.
O roteiro teve três paradas: a já citada Serra da Capivara, onde fica o Museu do Homem Americano, idealizado pela arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon — "de babar", diz ele —, a Serra das Confusões e os Cânions do Viana. Cada uma mereceria um capítulo à parte e mais das milhares de imagens captadas pelo médico-fotógrafo, mas aqui vai só um gostinho.
— Os cenários são incríveis e acredito que o turismo ainda vai explodir por lá — projeta Domingos.
Ah! E a temperatura, durante a viagem, estava perfeita.
Serra da Capivara
Cavernas e cânions têm as marcas mais antigas da ocupação do homem na América, com pinturas rupestres pré-históricas e objetos que remontam a mais de 50 mil anos. Maior concentração de sítios arqueológicos do continente — há mais de mil catalogados —, com a maior quantidade de pinturas rupestres do mundo, é parque nacional desde 1979, com 130 mil hectares, e considerado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco desde 1991.
Nas pinturas, o que impressiona são as cenas do dia a dia.
— Está lá, por exemplo, o que seria a imagem mais remota de um beijo. Todo o cotidiano era registrado, era o Jornal Nacional deles — compara.
Do Museu do Homem Americano, "de primeiríssima", que fica no parque, Domingos destaca uma experiência com óculos 3D, na qual se faz um "sobrevoo" da Serra da Capivara, e as milhares de peças arqueológicas. Tanto as pesquisas quanto o museu existem graças a Niède Guidon, que, aos 89 anos, ainda mora nas redondezas. Outro museu do parque é o da Natureza.
Serra das Confusões
Para chegar até aqui, um passeio "mais cansativo", segundo o médico-fotógrafo, percorrem-se 300 quilômetros no meio da caatinga, por estradas estreitinhas:
— Quanto mais entrava, mais eu gostava. A vegetação, os troncos retorcidos... a natureza é fantástica.
É também um parque nacional, criado em 1998, com a presença de sítios arqueológicos — ainda em fase de descobertas e estudos —, cavernas e grutas e preserva o bioma de caatinga.
Cânions do Viana
As imagens da Serra da Capivara já eram familiares para Domingos, por fotografias, mas ele desconhecia os Cânions do Viana, famosos pela passagem do Rally dos Sertões — que vai até o dia 10/9 e, à essa altura, está no Piauí — e por produções de TV. Foi esse cenário o que mais o surpreendeu.
— É um lugar inóspito, que ainda tem fazendas de gado, cercas. É um bioma diferente, uma área mais úmida — descreve.
Gasta-se, segundo ele, um dia inteiro percorrendo os cerca de 40 quilômetros no interior dos cânions, em trilhas ora estreitas, ora alargadas. O bom é ir parando, observando os paredões — o "mais bonito de tudo" — e as pinturas rupestres. O parque municipal fica em Bom Jesus, a mais de quatro horas de São Raimundo Nonato, base para a visita à Serra da Capivara.
Como e quando ir
De Porto Alegre, em voos com conexões até Petrolina (PE). Dali, viagem de carro de quatro horas até São Raimundo Nonato (PI). No total, gasta-se um dia inteiro para ir e outro para voltar. Domingos considera setes dias cheios um tempo bom para se ter uma ideia da região. Outros dois destinos desta viagem foram as cidades de Caracol e Cristino Castro. Julho é a época com a temperatura mais agradável, mesmo com a secura do sertão. A partir de novembro e até março, com as chuvas, fica tudo mais verde, mas o calor é forte.
A fotografia
O viajante levou uma câmera Nikon e duas lentes: uma grande angular (14-24mm) e uma pequena tele (105mm, para fotos mais detalhadas). Também usou muito a câmera do celular, fazendo vídeos cobertos por músicas regionais para as redes sociais. Ainda que seja um fotógrafo premiado, Domingos faz uma ressalva:
— É mais bonito do que se vê na foto. As imagens não dão a dimensão do lugar.
Duas dicas
- Quem vai precisa estar aberto a apreciar a natureza, a história e a cultura. Os meios de hospedagem e alimentação, em geral, são confortáveis, mas simples, e as refeições em alguns passeios são piqueniques ou feitas em casas de moradores — "a comida regional é ótima e nunca tomei uma limonada tão boa", diz Domingos.
- O parque da Serra da Capivara, principal ponto de visitação, fica aberto o ano inteiro e não cobra ingresso. Pode-se fazer várias trilhas e circuitos e praticar esportes como rapel e escalada. Dos 1.354 sítios arqueológicos cadastrados, 204 estão abertos à visitação turística e 17 têm acessibilidade. Para entrar nos museus, paga-se R$ 20 (Homem Americano) e R$ 30 (Natureza).
Mais informações em fumdham.org.br