Correção: o rapaz atirado da ponte de três metros de altura por um policial militar em São Paulo não morreu, conforme publicado entre às 17h e às 21h de 4 de dezembro. O texto já foi corrigido.
As estatísticas da criminalidade não comovem porque não têm rosto. Dados do Ministério Público mostram que as mortes pela Polícia Militar de São Paulo aumentaram 98% nos dois primeiros anos do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), em comparação com o período anterior. As estatísticas emocionam e revoltam quando os números ganham corpo, família, retrato, vídeos.
A violência da polícia de São Paulo já estava há vários meses nas estatísticas, mas sempre com números amparados no complemento de que eram mortes em trocas de tiros com bandidos — ainda que tenham sido frequentes os casos em que a vítima não tinha antecedentes criminais. E, mesmo que tivesse, isso não dá ao Estado o direito de matar, a menos que os policiais estejam agindo em legítima defesa.
Duas dessas mortes recentes iluminaram o cenário sombrio da segurança em São Paulo, com imagens capazes de embrulhar o estômago que não cultiva a desumanidade. A mais impressionante é a de um jovem motoboy que cai da moto ao se aproximar de uma barreira policial. Não é criminoso, não esboça reação, não está armado. O PM pega o homem como se fosse um saco de lixo e o atira em um córrego, do alto de uma ponte. O PM pega o homem como se fosse um saco de lixo e o atira em um córrego, do alto de uma ponte. Mesmo com a proibição do socorro pela mesma polícia, o rapaz sobreviveu à queda de três metros.
Morto o jovem, descobriu-se que era um trabalhador, não tinha contas a acertar com a Justiça. Estava no lugar errado na hora errada e foi executado sem mais nem menos. As imagens são tão reveladoras que o próprio Tarcísio, que em outros momentos passou pano para as execuções, teve de reconhecer o absurdo, disse que um caso como esse é inadmissível, afastou os policiais envolvidos e prometeu punição rigorosa.
Em outro episódio, um rapaz furta três embalagens de detergente em um supermercado, escorrega na tentativa de fuga, cai e é assassinado por um policial com 11 tiros. O policial alega legítima defesa, mas as imagens mostram que não foi. O ladrão poderia muito bem ter sido contido e levado a uma delegacia, como manda a lei, mas foi assassinado por um policial que imagina ter licença para matar.
A violência policial consentida autoriza o guarda da esquina, como diria Pedro Aleixo, a cometer atitudes primitivas. Assim foi com o bêbado espancado até morrer por seguranças no metrô de São Paulo. Estava desarmado e desorientado. Morreu por asfixia, lembrando o caso do americano George Floyd, com inversão de papéis: a vítima era um homem branco e foi morto por um negro muito mais forte do que ele. Não importa a cor, não importa se o homem estava bêbado ou sob efeito de drogas: matar é crime.
Na madrugada de 20 de novembro, um policial militar matou o estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, após a abordagem em um hotel da Vila Mariana. As imagens, sempre elas, mostram que o rapaz, aparentemente sob efeito de drogas, já estava dominado quando foi executado.
Tarcísio é forte candidato à Presidência da República, se Jair Bolsonaro continuar impedido de concorrer. Se a sua polícia continuar matando, terá dificuldade de convencer a banda do eleitorado que não defende bandido, mas também não compactua com a barbárie policial nem com o desrespeito a lei.