Nos últimos meses, episódios de violência policial em diversas localidades do Estado de São Paulo geraram repercussão significativa entre autoridades e entidades de direitos humanos. No mais recente, um vídeo divulgado em redes sociais mostra um PM jogando um homem do alto de uma ponte na capital paulista.
Dados do Ministério Público paulista divulgados pelo portal g1 indicam aumento de 46% no número de mortes cometidas por policiais militares do Estado até 17 de novembro deste ano, em comparação com o ano de 2023. De janeiro a 17 de novembro de 2024, foram registradas 673 mortes causadas por PMs, contra 460 durante os 12 meses do ano anterior.
A seguir, relembre os principais casos envolvendo violência policial em São Paulo e veja o que dizem especialistas e autoridades.
Casos de violência policial em SP noticiados entre agosto e dezembro
Tiros na cabeça de suspeito rendido
No dia 3 de agosto, um policial militar efetuou dois disparos contra a cabeça de um suspeito que já estava rendido e deitado no chão em Guarulhos, na Grande São Paulo. O fato ocorreu durante uma abordagem após a perseguição de dois homens em um veículo furtado.
De acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP), o suspeito baleado teria resistido à prisão, entrando em luta corporal e sacando um revólver contra o agente. O homem, ainda com vida, foi encaminhado ao Hospital Geral de Guarulhos, mas não resistiu.
Imagens captadas pela câmera corporal do policial mostram o agente tentando imobilizar o suspeito, que resistia. Durante a ação, o policial gritou repetidas vezes para que o homem colocasse as mãos para trás e tirasse a mão da cintura, proferindo ameaças e socos.
O episódio levou a Polícia Militar a instaurar inquérito para investigar as circunstâncias da ocorrência. A Ouvidoria da Polícia, por sua vez, afirmou que as imagens sugerem, em análise preliminar, "erro procedimental que reflete a escalada da violência policial no Estado".
Mulher morta durante troca de tiros
Francisca Marcela da Silva Ribeiro, 33 anos, foi atingida fatalmente durante uma troca de tiros no bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo, em 6 de outubro, 20 dias antes de seu casamento. A vítima estava em uma moto com o noivo em um posto de combustíveis quando dois criminosos tentaram roubar o veículo.
Segundo a SSP, um policial de folga disparou contra os assaltantes, que também atiraram. Um dos tiros atingiu Francisca.
A família alega que o disparo que a matou partiu da arma do policial. Os criminosos foram presos em flagrante, e as investigações continuam.
Agressão a mãe e irmão durante velório
Em 18 de outubro, durante o velório de Guilherme Alves Marques de Oliveira, 18 anos, e Luis Silvestre da Silva Neto, 21, mortos em um confronto com policiais militares em Bauru, no interior de São Paulo, a mãe e o irmão de Guilherme foram agredidos por agentes.
Vídeos registraram cinco policiais entrando no local e tentando render o irmão de Guilherme, que estava ao lado do caixão com a mãe. As imagens mostram a mãe tentando proteger o filho, mas sendo empurrada e agredida com um cacetete, chegando a se chocar contra uma pilastra. O irmão também foi agredido antes de ser levado pelos policiais. A SSP afirmou que um inquérito foi aberto e que um dos policiais foi afastado das atividades operacionais.
Criança morta em confronto
Ryan da Silva Andrade Santos, uma criança de quatro anos, foi baleado e morto durante um confronto policial no Morro São Bento, em Santos, em 6 de novembro. Outros dois adolescentes, de 15 e 17 anos, também foram atingidos.
A SSP lamentou a morte e informou que um inquérito foi instaurado para apurar os fatos, incluindo perícia nas armas e no local do confronto. Sete policiais envolvidos foram afastados de suas funções enquanto a investigação prossegue.
Estudante de medicina morto por policial
Marco Aurélio Cardenas Acosta, 22 anos, estudante de Medicina, foi morto com um tiro à queima-roupa em 20 de novembro, durante abordagem policial na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. Imagens de câmeras de segurança mostram o jovem sendo perseguido por policiais após supostamente dar um tapa no retrovisor de uma viatura.
Nas imagens, Marco Aurélio aparece tentando entrar em um hotel, sendo abordado e chutado por um dos policiais. Em meio à confusão, o policial Guilherme Augusto Macedo disparou contra o jovem, que foi socorrido, mas morreu após passar por cirurgia. Os policiais alegaram que o estudante tentou pegar a arma de um deles. Ambos foram afastados até a conclusão das investigações.
Jovem negro executado em frente a mercado
Gabriel Renan da Silva Soares, 26 anos, foi morto a tiros pelo policial Vinicius de Lima Britto no dia 3 de novembro, após ser acusado de furtar quatro pacotes de sabão em um mercado na zona sul paulistana. Câmeras de segurança registraram o policial disparando contra Gabriel enquanto ele tentava fugir.
O policial alegou que agiu em legítima defesa, afirmando que Gabriel estaria armado. O caso segue sob investigação.
Homem jogado de ponte por policial
Um homem foi arremessado de uma ponte por um policial militar na Vila Clara, zona sul de São Paulo, no dia 1º de dezembro. O ato foi capturado em vídeo. Apesar da queda, o homem sobreviveu e foi socorrido por pessoas em situação de rua.
Na terça-feira (3), a corporação instaurou um inquérito policial militar e afastou 13 policiais envolvidos na ocorrência — as identidades dos envolvidos não foram reveladas. Os agentes são do 24º Batalhão de Polícia Militar (BPM), de Diadema, Região Metropolitana. A Corregedoria da Polícia está investigando o episódio.
— É claro que (os casos) preocupam, que nos acendem um sinal de alerta, mas, diante de todas as ações que a Polícia Militar faz, nós não podemos considerar isso como regra, muito pelo contrário — emendou Massera.
O que dizem autoridades e especialistas
Analistas ouvidos pelo Estadão defendem preparar melhor a tropa — sobretudo para ocorrências cotidianas, como brigas —, reforçar mecanismos de controle e investir em armas não letais para abordagens em que isso é possível.
As imagens do agente jogando um homem da ponte foram classificadas como “estarrecedoras e absolutamente inadmissíveis” pelo procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, que determinou que o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do Ministério Público acompanhe o caso.
— Pelo registro, fica evidente que o suspeito já estava dominado — disse Oliveira.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, afirmou nesta quarta-feira (4), que o episódio "foi muito ruim", mas a vítima não foi morta pela polícia:
— O policial não matou. O que aconteceu foi muito ruim. Nós vamos tomar providência. Então cuidado com as afirmações.
Para o porta-voz da Polícia Militar de São Paulo, coronel Emerson Massera, o caso do arremesso trata-se de "uma violação de direitos humanos grave".
— É claro que (os casos) preocupam, que nos acendem um sinal de alerta, mas, diante de todas as ações que a Polícia Militar faz, nós não podemos considerar isso como regra, muito pelo contrário — afirmou Massera, ressaltando que, apesar de terem ocorrido em um curto espaço de tempo, os episódios tiveram dinâmicas distintas.
Especialistas em segurança pública ouvidos pelo jornal O Globo apontam que os episódios se enquadram na descontinuidade de políticas de redução do uso da força policial e que os discursos de lideranças, como o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o secretário secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, contribuíram para isso.
— A postura pública da liderança importa na ponta. Se você tem um discurso que legitima a violência, isso legitima a tropa a usar a violência — aponta Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
Leonardo Carvalho, pesquisador sênior do Fórum de Segurança Pública, critica as mesmas políticas.
— O programa de câmeras da PM, que era entendido como exitoso, foi questionado por Tarcísio já no processo eleitoral. Toda liderança passa uma mensagem para sua equipe — ele diz.