A Câmara dos Deputados decidiu adiar a votação do projeto de lei 1.904/2024, que ficou conhecido como PL do Estupro. Em Porto Alegre, três vereadores protocolaram um projeto de lei que poderia ser chamado de PL da tortura à mulher estuprada. O que prevê a proposta? Que a mulher/menina estuprada que decida fazer o aborto legal seja submetida a sucessivas ecografias e instada a escutar o coração do feto antes de fazer o procedimento. Se isso não é coação, o que seria?
Assinado pelos vereadores Comandante Nádia (PL), Fernanda Barth (PL) e Ramiro Rosário (Novo), o projeto estabelece que o mesmo procedimento vale para a gestante que corre risco de vida. Por extensão, deduz-se que a mesma “sugestão” seja feita à mulher que está gestando um feto anencéfalo, que morrerá ao nascer, já que são essas as três hipóteses de aborto legal no Brasil.
Por que a coluna está resgatando esse projeto que tem aparência de inconstitucional? Porque foi assunto de debate na Câmara nesta quarta-feira (18), como se Porto Alegre, abalada pela enchente, não tivesse nada mais urgente para ser tratado por seus vereadores. Os autores pediram para acelerar a tramitação.
O projeto estabelece multa para o médico que não cumprir a determinação de “sugerir” que a gestante decidida a fazer o aborto ouça o coração do feto. Como sabe qualquer estudante de medicina, o coração no bebê pode ser ouvido na ecografia a partir de cinco ou seis semanas de gestação. É uma emoção para a mãe de um filho desejado. Seria tortura para quem engravidou de um abuso sexual.
ADENDO:
Após a publicação deste texto, a vereadora Comandante Nádia procurou a coluna para dizer que "jamais obrigaria um médico a fazer qualquer coisa". Como está no texto que o médico seria obrigado, sob pena de multa, a sugerir à gestante ouvir os batimentos cardíacos do feto em caso de aborto legal, a vereadora disse que propôs emenda para substituir "deverá" por "poderá" e que quando assinou não se deu conta de que o texto era impositivo. Só que o mesmo texto estabelece sanções aos médicos que se recusarem a fazer a sugestão. A vereadora disse que os dois parágrafos serão suprimidos.
No sistema da Câmara ainda não aparece qualquer mudança. Segundo a vereadora, ela pediu a mudança a sua assessoria na segunda-feira, mas a assessora não conseguiu acessar o sistema porque estava com um problema no e-mail.
Nádia questionou o uso da expressão "tortura", pela coluna, e insistiu que o objetivo do projeto é facilitar o acesso da mulher estuprada aos exames de ecografia, até para apressar o procedimento, se for o caso.
Confira a íntegra do projeto original:
"PROJETO DE LEI 580/23
Estabelece, no âmbito do Município de Porto Alegre, a equiparação das gestantes vítimas de abuso sexual às gestantes de risco para fins de acesso prioritário na marcação e realização de exames de ultrassom durante o período gestacional.
Art. 1º Fica estabelecida, no âmbito do Município de Porto Alegre, a equiparação das gestantes vítimas de abuso sexual às gestantes de risco para fins de acesso prioritário na marcação e realização de exames de ultrassom durante o período gestacional. Art. 2º Nos casos em que a gestante e a gestante optar pela prática do aborto, conforme hipótese prevista em lei, deverá ser sugerido pelo médico responsável pelo atendimento da gestante a realização de ultrassonografia prévia ao procedimento.
§ 1º Na ultrassonografia prévia ao procedimento abortivo, o médico responsável deverá sugerir à gestante que escute os batimentos cardíacos do nascituro.
§ 2º O descumprimento da obrigação prevista no caput deste artigo acarretará a imposição de multa, a ser definida e regulamentada pelo Executivo Municipal, devendo ser considerada como circunstância agravante na gradação da penalidade a reincidência do infrator.
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação."
O documento foi assinado eletronicamente por Nádia e Fernanda no dia 2 de outubro de 2023 e por Ramiro em 23 de outubro.