Sentei no sofá com uma taça de Chardonnay e li de uma pegada só o novo livro de Gabriel García Márquez. Levantei somente quando cheguei ao ponto final de Em Agosto nos Vemos, uma novela que também poderia ser chamada de conto mais encorpado. Estava curiosa diante da polêmica sobre o direito da família de publicar um livro que o escritor rejeitara porque não estava pronto. O questionamento é legítimo: têm os filhos o direito de publicar um livro que o autor morreu sem considerá-lo à altura de sua obra?
A polêmica se assemelha à que mobilizou os fãs de Elis Regina no comercial da Volkswagen, em que, com o uso da inteligência artificial, ela e a filha Maria Rita fizeram um dueto divino. Penso que os herdeiros têm o direito de decidir o que fazer com a obra dos pais famosos, principalmente quando têm certeza de que são gigantes e que boa parte dos fãs entenderá como um presente. Sou grata a Maria Rita pela decisão de ressuscitar Elis em um dos seus clássicos. Agradeço aos filhos de García Márquez por entenderem que, mesmo não sendo extraordinário, Em agosto nos vemos (com o título que ele escolheu) tem todos os elementos que permitem reconhecer as digitais do escritor colombiano.
Ali estão o clima das ilhas do Caribe, as cenas improváveis como a da filha que todos os anos leva um ramo de gladíolo (e não de outra flor mais provável) ao túmulo da mãe, os desejos latentes, a insinuação que não exige descrições detalhadas do ato sexual. Como García Márquez ensinou em Como contar um conto, não é preciso descer a minúcias para se fazer entender.
Sou fã incondicional de García Márquez desde Cem anos de solidão, mas reconheço que nem tudo o que escreveu tem a mesma força. Cada obra toca o leitor de uma forma e um dos meus livros preferidos, além de Cem anos de solidão, é Doze contos peregrinos, pelo que considero um conto perfeito: O rastro do teu sangue na neve. Tenho também O amor nos tempos do cólera como um dos melhores, principalmente pela possibilidade de circular pelos pontos de Cartagena onde a história se desenrola.
Por duas vezes estive em Cartagena (e ainda pretendo voltar). Passei e repassei pela casa onde Gabo morou, pelos cafés que frequentava, pelas ruas por onde caminharam seus personagens, pelas igrejas e pelas arcadas. Não sou de visitar cemitérios: prefiro andar pelas paisagens que meus ídolos circularam e Cartagena, com seus casarios repletos de flores, tornou-se um dos meus lugares no mundo.
Enfim, sós
Por falar em ídolos, em vez de lamentar a morte de Ziraldo quero nesta manhã de domingo exaltar a genialidade do escritor que, como disse a filha, parou de respirar no sábado. Quem passa dos 90 anos e deixa o legado que Ziraldo deixou não merece uma despedida com lágrimas, mas com aplausos.
Tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente em 1981, quando ganhei uma das etapas do prêmio Apesul de revelação literária, na categoria crônica. O Grupo Habitasul fez um festão no Hotel Laje de Pedra e trouxe vários escritores famosos para o ato de entrega de prêmios. Ziraldo era um deles. Na fila de autógrafos, eu era a última. Ele escreveu uma dedicatória inspirada, que guardo com muito carinho: "Enfim sós (no meio de tanta gente). Que pena!”
Hoje uma menina de 21 anos poderia considerar assédio. Eu achei apenas criativo e ganhei um abraço que nunca será esquecido.