Depois da queda do sigilo dos depoimentos de civis e militares do seu antigo entorno sobre a tentativa de golpe, em 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro disse que não teme qualquer julgamento, “desde que os juízes sejam isentos”. Pois deveria temer. Não porque os juízes sejam ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a quem ele insultou quando era presidente, mas porque afrontou a Constituição na tentativa de permanecer no poder, mesmo derrotado.
Os depoimentos do ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes e da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior são devastadores para a estratégia de Bolsonaro de se defender dizendo que “golpe sem tanques nas ruas não é golpe”. Seus defensores sustentam que não se pune uma pessoa por ter pensado em matar alguém. Pune-se o assassinato. De fato, mas pune-se também a tentativa de homicídio, se a comparação for com os crimes contra a vida.
Dos depoimentos dos dois oficiais, que ocuparam os mais altos cargos na hierarquia militar, emerge um retrato acabado de candidato a ditador de republiqueta. Um homem que até os derradeiros dias de dezembro ainda achava que seria possível impedir a posse do candidato vitorioso na eleição, simplesmente porque considerava impossível ter perdido para Luiz Inácio Lula da Silva. Na falta de um argumento convincente, apegava-se à teoria conspiratória da possível fraude nas urnas eletrônicas.
Como as Forças Armadas atestaram que não havia nada de errado com a urna eletrônica usada há mais de um quarto de século, Bolsonaro ficou sem chão, mas seguiu tentando desqualificar o sistema eleitoral. Ressalte-se que o general e o brigadeiro estão longe de ser petistas, esquerdistas, comunistas ou qualquer outro “ista” usado para desqualificar quem critica Bolsonaro ou conta uma história que o desabone.
Consta dos depoimentos que o ex-presidente tinha a seu lado pelo menos dois generais da reserva (Braga Neto e Augusto Heleno) colocando pilha na manobra golpista, usando instrumentos legais de forma distorcida para justificar uma intervenção indevida: garantia da lei e da ordem (GLO), estado de defesa e estado de sítio.
Foi preciso que o general avisasse que o prenderia se tentasse o golpe para Bolsonaro se convencer de que perdera. Ou que o brigadeiro alertasse Augusto Heleno de que não deveria contar com a Força Aérea na aventura golpista. Um julgamento isento vai levar em conta o que cada um fez e o que está na Constituição e nas leis ordinárias.
Aliás
Nem o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, deu depoimento favorável a Bolsonaro. Na Polícia Federal, disse que confiava nas urnas eletrônicas e que só formalizou o questionamento porque foi pressionado pelo ex-presidente. Costa Neto também tem motivos para temer o julgamento.