As enchentes de setembro — assim, no plural — deram visibilidade a um problema histórico do Rio Grande do Sul em geral e de Porto Alegre em particular, que é o das famílias que vivem em áreas de risco alto ou muito alto. A falta de moradia e a promessa de solução, temas recorrentes nas campanhas eleitorais, viram esquecimento nos anos seguintes porque a sua maneira as famílias se adaptam às construções que não oferecem nem conforto nem segurança, mas é o único teto disponível.
O secretário de Habitação, André Machado, que desde o início da gestão de Sebastião Melo corre atrás de dinheiro para tirar projetos habitacionais do papel, já não se espanta com a dificuldade em convencer as pessoas a saírem das áreas de risco. Nas conversas com as comunidades, passou a entender os motivos pelos quais as pessoas insistem em ficar, mesmo quando é oferecida a possibilidade de aluguel social ou de compra de uma casinha em outros bairros:
— Não podemos forçar as pessoas a saírem, nem transferir para o outro lado da cidade. As pessoas formam vínculos, trabalham perto de onde moram, e não querem sair dali, mesmo sabendo que volta e meia terão de se abrigar por causa de uma enchente.
A preocupação do secretário é menor com os moradores das ilhas do que com os que vivem nas encostas dos morros ou à beira de arroios. Porque o Guaíba sobe lentamente, dificilmente alguém vai morrer afogado. O problema é o desmoronamento de casas, como ocorreu na Vila Mato Grosso, região da Cruzeiro do Sul e Cristal.
— A enxurrada e o desmoronamento podem provocar mortes. Por isso, estamos tentando convencer as pessoas a saírem das áreas de risco alto ou muito alto — diz o secretário, lembrando que são 14 mil pessoas vivendo nessa condição.
Se considerar todas as áreas de risco, o número sobre para 80 mil. André não tem muito a oferecer. Porque a prefeitura não tem projetos próprios de construção de moradia concluídos ou em andamento e a União interrompeu o programa Minha Casa, Minha Vida, nos últimos anos. Retomado agora, tem de vencer as barreiras burocráticas e materiais para sair do papel.
Que outra solução se poderia ter além de negociar a construção de moradias com os governos estadual e federal? Nenhuma que se possa considerar a fórmula mágica, mas há caminhos que precisam ser explorados. O Centro de Porto Alegre tem milhares de imóveis vazios, públicos e privados. Por que não reformar, em vez de começar do zero, e transformar em moradia para famílias de baixa renda? A Caixa Econômica Federal, herdeira do Banco Nacional de Habitação, o velho BNH, poderia financiar projetos de conversão de imóveis comerciais em apartamentos, levando vida a áreas do Centro que se tornam fantasmas durante a noite.
É fato que muitas das famílias que tudo perderam no Vale do Taquari não se enquadravam nessa definição. Tinham suas lavouras, seus animais e suas casas em locais até então considerados seguros, porque em mais de meio século o Rio Taquari não tinha chegado até lá. Casas sólidas, de dois e até três andares, foram destruídas pela enchente do início do mês.
Não é o caso das ilhas de Porto Alegre e de outras regiões às margens de arroio, que alagam em tempos de muito menos chuva do que agora. Ali vivem famílias acostumadas a erguer os móveis sempre que a meteorologia prevê uma chuvarada seguida do vento sul, que represa as águas do Guaíba. Há os que já constroem a casa sobre palafitas porque sabem que água vai subir. E resistem em sair de casa porque temem que seus pertences sejam roubados se forem para um abrigo.
Agora mesmo, há mulheres e crianças em abrigos, enquanto os homens montam guarda dentro das casas cercadas de água por todos os lados para proteger o patrimônio.
ALIÁS
A situação das famílias desabrigadas deveria unir os vereadores de Porto Alegre para apressar a aprovação do projeto que autoriza o uso de parte dos recursos da futura venda do prédio da antiga Smov em um projeto habitacional no bairro Humaitá. Quem se omitir ficará sem moral para criticar, na próxima campanha, a falta de políticas de habitação.
Nem o prefeito escapa
No bairro Guarujá, zona sul de Porto Alegre, vive com a família um cidadão que não tem a quem se queixar do alagamento da sua rua, a Oiampi. É Sebastião Melo, prefeito de Porto Alegre.
— O alagamento é democrático — reagiu o prefeito ao ser questionado se estava mesmo com o pátio alagado.