É provável que a informação sobre irregularidades na regulação do Samu não tenha chegado aos ouvidos do vice-governador Gabriel Souza. O enfermeiro Cleiton Felix diz que procurou o gabinete de Gabriel em abril para falar da farra das escalas. O burocrata que o atendeu sugeriu que formalizasse uma denúncia aos canais competentes. Quais seriam esses canais? Eis a questão.
Sem saber a quem recorrer, já que não tinha respaldo das chefias a quem tentava fazer a denúncia e foi ignorado no gabinete do vice, o enfermeiro escolheu o GDI como o canal competente.
O repórter Giovani Grizotti foi lá e fez a reportagem. Escancarou um esquema que, pelas mensagens de áudio do diretor de regulação, Eduardo Elsade, afastado na quarta-feira (30), era rotineiro. Médicos cumpriam apenas parte das horas pelas quais recebiam e depois alguém ajustava o ponto ou colocava a culpa no relógio.
Não é a primeira e nem será a última vez que um servidor público incomodado com a conduta de colegas, chefes ou chefetes tenta denunciar uma irregularidade e fica falando para as paredes. Se uma farra de escalas ocorre em setores que não lidam com vida ou morte, podem passar anos sem serem percebidos. Não é o caso do Samu, um serviço essencial de urgência e emergência para atendimento de pacientes em estado grave. Nesses casos, o tempo de resposta pode ser a diferença entre viver e morrer.
Chorar sobre o leite derramado é inútil. O que o governo precisa responder é o que será feito a partir de agora. A secretária da Saúde, Arita Bergmann, diz que não sabia de nada e que ficou chocada e decepcionada. Também a ela podem não ter chegado as denúncias de irregularidades, mas agora são públicas. É a mesma situação do governador Eduardo Leite, que se declara indignado com o que o GDI mostrou. O que farão a partir de agora?
A pergunta não se restringe ao caso do Samu. Que certeza pode ter o pagador de impostos que há em cada secretaria um acompanhamento do desempenho do servidor? Não se trata apenas de bater o ponto, mas de cumprimento das tarefas para as quais é pago. Depois da pandemia, boa parte dos servidores teve autorização para trabalhar em modo remoto. Estão todos produzindo como se estivessem no presencial?
Arita apontou como solução no caso do Samu a terceirização dos serviços, mas há controvérsias em relação à legalidade da transferência de responsabilidade. Por essas e outras, o PT propôs na Assembleia a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
É provável que a proposta não prospere, até porque o governo tem maioria para evitar uma CPI, mas é preciso que se adote um conjunto de medidas para evitar que futuras denúncias sejam varridas para debaixo do tapete.