O ex-enfermeiro da central estadual do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) Cleiton Felix procurou em abril o gabinete do vice-governador, Gabriel Souza, para informar sobre a farra das escalas no Samu. Nesta semana, reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) mostraram que médicos trabalhavam menos horas do que deviam na central de regulação estadual do serviço, prejudicando atendimentos de emergência.
A informação, do próprio Felix, de que procurou o governo, contraria as declarações da Secretaria Estadual da Saúde e da Casa Civil, que negaram qualquer comunicação pelos canais oficiais do Estado em entrevista na quarta-feira, quando foi afastado Eduardo Elsade, então diretor da Central de Regulação da Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS).
Em nota, a assessoria do gabinete do vice-governador confirmou que recebeu o então servidor do Samu, que relatou informalmente o caso. Ele teria sido orientado a formalizar denúncia, o que não teria ocorrido. A nota diz que eventuais comunicações de irregularidades "devem ser encaminhadas pelos canais oficiais para que o Estado tenha conhecimento" e possa apurar. A secretária de Saúde, Arita Bergman, diz que não foi informada das irregularidades pelo gabinete do vice-governador.
E esse não foi o primeiro contato de Felix com superiores para relatar os problemas. Em janeiro de 2021, momento em que a pandemia fez com que os médicos reguladores do Samu atuassem em teletrabalho, o enfermeiro reclamou a superiores sobre ter de trabalhar em dobro, "assumindo responsabilidade de médicos que ficavam em casa dormindo". A troca de mensagens se deu por e-mail.
Na mesma conversa, ele questionava a justificativa do trabalho remoto, pois os plantonistas, segundo ele, nem sequer se conectavam ao sistema para atender aos chamados. "Por que esta direção que sabe que os médicos ficam em casa dormindo, sugando e corrompendo o sistema, não tomou nenhuma providência?", questionou, em uma das mensagens.
Originalmente enviada a Andrea Pinheiro, então coordenadora substituta de urgências e emergências do Estado, a mensagem foi repassada também a Laura Sarti de Oliveira, a então chefe substituta da divisão de regulação. Ela recebeu a mensagem e disse considerar que Cleiton estava, ali, formalizando uma denúncia, considerando o e-mail um documento. No entanto, respondeu que gostaria de obter nomes de envolvidos para tomar medidas. Cleiton respondeu que a mensagem não era uma denúncia, mas se referia a algo que é notório na central.
O ex-enfermeiro sugeriu, então, que se fizesse exatamente o que a reportagem do Grupo de Investigação (GDI) do Grupo RBS fez: cruzar as escalas com os horários em que os plantonistas acessaram os computadores de trabalho. Assim, "a bomba explode", afirmou Cleiton na mensagem. "Se a senhora (Laura) quiser mesmo instruir esse processo me utilizando como boi de piranha, me disponibilizo sem problemas. Mas seguir o caminho de uma denúncia pontual não daria certo", escreveu o enfermeiro. Depois disso, Felix se dispôs a marcar uma reunião com a então chefe Laura. O encontrou ocorreu.
Na quarta-feira, Laura Sarti de Olivera foi nomeada para assumir o lugar de Eduardo Elsade, enquanto a comissão de sindicância instaurada pelo Estado investiga o caso. Os resultados desta apuração devem ser divulgados em setembro. Na semana passada, durante as apurações para primeira reportagem do caso, o GDI também ouviu Laura e a questionou sobre os contatos feitos por Felix. Na data, ela negou que tenha se omitido:
— Todas as vezes que a gente recebeu denúncia formalizada de algum tipo de descumprimento de horário, nós tomamos as medidas necessárias. Nós fizemos apurações internas e tomamos algumas medidas de advertência, conforme o estatuto do servidor preconizava.
Cleiton diz que as únicas apurações internas realizadas foram aquelas descobertas pelo coordenador médico do Samu estadual, o médico Jimmy Luis Espinoza Herrera, e relatadas pelo GDI: abonos, atestados e até garrafa de água trancando teclado do computador para burlar o sistema de presença.
Também na quarta-feira, o governador do Estado, Eduardo Leite, afirmou que ninguém no governo recebeu denúncias anteriores às reportagens.
— Meu sentimento é igual ao de cada um dos gaúchos, de total e profunda indignação. Minha orientação foi clara desde o primeiro momento: apurar, corrigir e punir quem praticou um ato ilícito que causa revolta — disse Leite, em um vídeo publicado nas redes sociais.
Contraponto
O GDI procurou a SES-RS, a secretaria de Saúde Arita Bergman, Laura Sarti e Andrea Pinheiro para comentarem as novas revelações. Ninguém quis se manifestar.
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