Só não se chocou com as imagens de indígenas em pele e osso, que correram o mundo ao longo da semana, quem acha que as fotos são “uma farsa da esquerda”. Essa definição do ex-presidente Jair Bolsonaro, replicada por seus seguidores, é uma heresia diante das fartas provas de descaso com os yanomamis. Outra fake news disseminada nas redes é a de que os indígenas não são brasileiros, mas venezuelanos.
A atriz Regina Duarte chegou ao ponto de repostar no Instagram um post dizendo que “relatório da Funai desmente narrativa de abandono dos Yanomamis por Bolsonaro”.
Relatório da Funai? Ora, ora. A Funai foi omissa e seus dirigentes sempre alegaram falta de recursos para atender os indígenas de forma adequada. Os fatos se sobrepõem a qualquer relatório: adultos e crianças morreram de desnutrição e de doenças evitáveis, simplesmente porque não receberam a atenção devida pelo governo. Foram vítimas, também, de uma praga estimulada pelo próprio Bolsonaro, o garimpo ilegal. Essa atividade predatória contaminou os rios com mercúrio e levou para a terra indígena fome e doenças.
Se a omissão do governo foi ou não genocídio, a Justiça brasileira dirá. Ou o Tribunal de Haia, para o qual já foram encaminhadas denúncias. Havia intenção de exterminar o povo yanomami? Difícil provar uma intenção. A Justiça terá de se ater aos fatos, e eles são gravíssimos.
Procuradores do Ministério Público documentaram os alertas feitos ao governo ainda em 2021 sobre a tragédia que resultou em centenas de mortes. O então ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, foi comunicado sobre o salto na mortalidade infantil e nada fez. Há suspeita de desvio de recursos que deveriam ser destinados ao atendimento dos indígenas. Tudo isso precisa ser apurado para que os irresponsáveis sejam responsabilizados.
É preciso reconhecer que também houve omissão da imprensa. A distância e a dificuldade de acesso às áreas remotas da Amazônia não podem servir de desculpa para a falta de reportagens de fôlego mostrando o descaso com os yanomamis. Agora que o Ministério da Saúde declarou emergência sanitária e que o governo está distribuindo cestas básicas, muitas delas originadas de doações, a imprensa acordou.