O que faz uma pessoa hiperativa quando se vê obrigada a parar por alguns dias e ver o mundo pela janela? Busca expandir o horizonte. Assim me encontro já há nove dias. Por uma intercorrência no tratamento que estou fazendo para combater um linfoma, precisei ser internada. Desde o nascimento dos meus filhos, só havia dormido em hospitais como acompanhante, mas agora sou a paciente. Soa-me estranho a palavra "paciente" porque sou, por natureza, impaciente, mas estou aprendendo a lidar com a situação e usar esse tempo vazio a meu favor.
Nos quase dois anos de pandemia ficamos presos em casa, mas eu saía para ir ao supermercado e à farmácia, descia para caminha no pátio do prédio, às vezes ia ao parque. Neste dias não. Meu limite são as quatro paredes do quarto, onde recebo a atenção de uma equipe competente, carinhosa e disponível.
Tive a sorte de ser acomodada no sétimo andar do Hospital Mãe de Deus, em um quarto com vista para o Guaíba de uma janela e para o Morro de Santa Teresa de outro. Essa janelinha que dá para o Guaíba me permite contemplar o pôr do sol, acompanhar as mudanças na cor do céu, ver quando se acendem as luzes do Beira-Rio. Entre a minha janela e o rio, encho os olhos com as árvores do Parque Marinha do Brasil e penso no visionário prefeito Guilherme Socias Villela, que concebeu esse pulmão de Porto Alegre. Uma barcaça vermelha passa ao longe e não resisto em fotografar, porque lembra uma pintura de Soriano.
Não me desligo das notícias, naturalmente, porque não posso voltar ao trabalho como quem passou férias em Marte, mas, além da TV e dos jornais que leio pela internet, sobra-me tempo para uma das minhas atividades preferidas: a leitura de ficção. Li com muito prazer O inventor da eternidade, de Liberato Vieira da Cunha. Que livro, senhoras e senhores! Dono de um texto precioso, Liberato ambienta seu romance numa cidadezinha fictícia de colonização alemã, nos estertores da ditadura militar, mais precisamente às vésperas da eleição do colégio eleitoral que ungiu Tancredo Neves. A política é pano de fundo para uma história de amor à arte, em que respingam memórias da Segunda Guerra. Liberato esbanja erudição e conduz o leitor por caminhos iluminados pela pintura, pela literatura, pela música e pela História.