Tenho convicção de que todas as vidas dariam um livro, mas é óbvio que pessoas plurais rendem biografias memoráveis. Que o digam Ruy Castro e Fernando Morais, os dois maiores biógrafos brasileiros de todos os tempos, pelo estilo literário e pela capacidade de penetrar em todas as dobras da personalidade dos retratados.
Se eu decidisse migrar para o ramo das biografias e pudesse escolher um personagem para contar a vida nos detalhes, não pensaria em artista ou jogador de futebol. Começaria por um homem múltiplo, de vida tão rica que talvez não coubesse em volume único. Um médico que me foi apresentado há cerca de 30 anos, em um baile beneficente, como o grande nome da oncologia da época: Gilberto Schwartsmann.
Meu marido e eu éramos convidados do amigo argentino Adolfo Lona, o mago dos espumantes, e ficamos na mesa do idealizador do Instituto do Câncer Infantil, doutor Algemir Brunetto, do colega Lauro Quadros e de Schawrtsmann, todos com suas elegantes esposas. Ali nasceu minha ligação com o Instituto do Câncer Infantil e relações que se fortaleceram nestas três décadas.
Lembro de que na despedida, Schwartsmann nos disse algo como "espero que vocês nunca precisem de mim, mas se precisarem, estou à disposição". Nesses quase 30 anos, fui conhecendo as outras faces do companheiro de taças e boas histórias: o homem das artes, o voluntário da cultura, o escritor competente, o descobridor de talentos, o plantador de videiras, o fazedor de vinhos.
Ainda não é chegado o tempo de me ocupar de biografias, mas seria desafiador escrever sobre alguém que escreve com propriedade sobre Proust e Dante, política e medicina, arte contemporânea e coisas do cotidiano. Eu dedicaria um capítulo a contar de como nasceu o vinhedo na Barra do Ribeiro — da decisão de explorar aquele terroir improvável às pesquisas sobre as espécies que se adaptariam à região, até chegar às primeiras garrafas da Laurentia.
Quando enfim precisei de um oncologista, não me ocorreu procurar Schwartsmann. Seria impossível prestar atenção na explicação dos efeitos colaterais de determinada medicação querendo conversar sobre a amante de Proust, as novidades da velha Biblioteca Pública, a maturidade da bienal da qual foi um dos primeiros apostadores.