O que deveria ser uma festa cívica e histórica, a comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil, virou o maior comício da campanha do presidente Jair Bolsonaro. Contando com a impossibilidade de separar o presidente do candidato, Bolsonaro transformou as manifestações de 7 de Setembro em atos de campanha. Deu a demonstração de força política que queria e garantiu nas redes de TV o espaço que, por força da legislação eleitoral, seus adversários jamais terão.
Os estrategistas da campanha adotaram a tática da ocupação ostensiva de espaço. Sabiam que nenhum veículo de comunicação deixaria de dar ampla cobertura aos 200 anos da Independência, a começar pelo desfile cívico-militar na Esplanada dos Ministérios.
Na linha “falem mal, mas falem de mim”, Bolsonaro desceu do palanque oficial, despiu a faixa presidencial e foi para o alto de um caminhão discursar para a massa. Ali, repetiu uma de suas expressões preferidas, a de que é “imbrochável”. Recomendou que os solteiros casem “com uma princesa” como sua esposa, Michelle, e sugeriu uma comparação de primeiras-damas, para insinuar que só ele tem “uma família de Deus”.
A primeira-dama sorriu lisonjeada e fez “pose de princesa”, segurando o queixo para os fotógrafos. Em seguida, Bolsonaro pespegou-lhe um beijo de novela, para delírio dos militantes enrolados na bandeira do Brasil.
A pretexto de homenagear a Pátria em sua data magna, o presidente inventou o ato em Copacabana, custeado com dinheiro público, coincidindo com a manifestação política poucas quadras adiante. Na cabeça dos eleitores, as imagens fundiram-se às de manifestações na Avenida Paulista, no Parcão, em Porto Alegre, e nas principais capitais brasileiras.
A comemoração do bicentenário virou uma sequência de atos de campanha. O lado positivo é que não se registraram incidentes, a ordem democrática foi respeitada e ninguém tentou invadir o Congresso ou colocar fogo no prédio do Supremo. O negativo é que ficou consagrado o vale-tudo na campanha de quem está no poder.
ALIÁS
O comando da campanha do presidente Jair Bolsonaro e o Centrão não têm do que reclamar: ele seguiu à risca o que foi combinado. Não atacou as instituições, deixou que os ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal ficassem na boca dos militantes, falou para os seus eleitores e passou o dia inteiro em destaque na mídia.
Mulheres reagem a fala machista
As candidatas Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil) se revoltaram com as falas machistas do presidente Jair Bolsonaro. Em seu perfil no Twitter, Simone escreveu:
“Vergonhoso e patético! No dia da Independência do Brasil, o presidente mostra todo seu desprezo pelas mulheres e sua masculinidade tóxica e infantil. Como brasileira e mulher, me sinto envergonhada e desrespeitada (...) O Brasil não merece o governo que tem”.
Soraya foi na mesma linha:
“Divorciado do respeito à data, em pleno 7 de Setembro, o presidente insiste em propagar que é imbrochável — informação que, sinceramente, não interessa ao povo brasileiro. O que o Brasil precisa, mesmo, é de um presidente incorruptível. Bolsonaro prima pela desqualificação.”
Legalidade mineira
Preocupado com a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro usar o Dia da Independência para dar um golpe de Estado, o candidato do PDT ao Planalto, Ciro Gomes, montou em Minas Gerais uma “rede da legalidade”, inspirado no que fez Leonel Brizola no Rio Grande do Sul, em 1961. A revelação foi feita no final da tarde, em transmissão ao vivo pela internet, direto de Ouro Preto.
Ciro disse que estava envergonhado e revoltado com o que viu o presidente fazer durante o dia, mas aliviado porque ninguém morreu ou se feriu:
— Temíamos que a irresponsabilidade do Bolsonaro pudesse acender um rastilho de agressão, de radicalismo, que descambasse para a violência.
Como é do seu feitio, não economizou nos ataques ao presidente e a um dos seus aliados mais próximos, o dono da Havan, Luciano Hang:
— Nós assistimos ao presidente da República colocar um empresário picareta investigado na Justiça, do seu lado, enquanto o presidente de Portugal foi colocado ao lado, numa verdadeira agressão diplomática (...) Em seguida, militares fardados, com as suas condecorações, com uniforme de gala, misturando-se com patetas de um presidente imbecil e criminoso, como é o Bolsonaro, transformar um ato cívico, uma solenidade cívico-militar, num comício com milhões de recursos públicos envolvidos.
Ciro disse que entrará com representação para que os atos de 7 de Setembro sejam investigados e fez uma provocação ao Judiciário:
— Será que os tribunais estão à altura da grandeza do momento histórico? Será que existe lei no Brasil?