Quando não se tem todas as respostas diante de um caso dramático como a morte do jovem Gabriel Marques Cavalheiro, 18 anos, é preciso insistir nas perguntas que podem evitar o lamento de outras mães, outros pais, outros avós. A questão que gritava nesta tarde de sexta-feira, após a localização do corpo de Gabriel em um açude no interior do município de São Gabriel, era uma só: teria essa morte acontecido se os policiais usassem microcâmeras na farda? A reposta mais óbvia é um sonoro não.
Essa pergunta terá de ser feita na campanha eleitoral, quando se falar de segurança pública. Deveria ser feita em todo o Brasil, valendo para todas as polícias. Os policiais que agem dentro da lei e respeitam as normas (e eles são a maioria absoluta) não têm que temer as câmeras. Para os profissionais da segurança, são a garantia de que terão um julgamento justo. Para o cidadão, a certeza de que não serão vítimas da violência de poucos maus policiais, que enlameiam a imagem de uma corporação.
Gabriel estava desaparecido desde a semana passada, quando uma mulher desconfiou dele e chamou a polícia. Seria uma abordagem normal, com rápida verificação da situação do jovem, que cumpriria o serviço militar na cidade que escolhera se alistar para ficar mais perto da família. Testemunhas viram quando foi algemado e colocado na viatura. Câmeras de segurança na rua gravaram a abordagem e mostraram para que lado os brigadianos foram. Os policiais foram obrigados a admitir que deixaram o menino na localidade de Lava Pés, o que já configura o primeiro abuso.
Em que manual está escrito que um suspeito (se é que se pode considerar suspeito alguém a partir do telefonema de uma mulher que disse ter visto o jovem rondando sua casa) deve ser levado para longe da cidade numa noite de frio e largado a esmo? Se usassem uma câmera no uniforme, os policiais teriam levado o rapaz para o lugar distante dois quilômetros do ponto da abordagem, ainda que o soltassem vivo e sem ferimentos?
A investigação vai mostrar se Gabriel foi agredido, se morreu por afogamento ou por outra razão. O certo é que o corpo estava no fundo do açude, próximo ao lugar onde a viatura parou por um minuto e 50 segundos naquela noite, conforme apurou a própria Brigada. Na quarta-feira, a jaqueta do jovem fora encontrada perto do açude.
Quando o corpo foi encontrado, os três policiais já haviam sido afastados da corporação e estão sob investigação. Na noite desta sexta-feira, os suspeitos de envolvimento na morte do recruta foram presos por decisão da Justiça Militar.
A pergunta sobre o uso de câmeras no uniforme já deveria ter sido feita com mais insistência em maio, quando Rai Duarte, um torcedor do Brasil de Pelotas detido após uma briga no Estádio Passo D’Areia, foi ferido gravemente em circunstâncias misteriosas. Depois de ter sido retirado de um ônibus de excursão, de onde sai andando, chega ao Hospital Cristo Redentor numa viatura para fazer exame de corpo de delito, mas é retirado da fila por um policial militar. Some por 20 minutos e retorna ferido. Esse jovem passou por três cirurgias, esteve à beira da morte e não sabe qual será a extensão das sequelas. A investigação a cargo da Corregedoria da Brigada Militar teria sido mais fácil se houvesse microcâmera no uniforme dos PMs.