Rai Duarte está há mais de dois meses internado no Hospital Cristo Redentor, em Porto Alegre. Foram 47 dias na UTI, em estado de coma induzido, e os últimos no leito de enfermaria, para onde foi em 16 de junho. O motivo é um profundo corte no intestino. A causa, porém, segue sem ser esclarecida. Ele foi submetido a quatro cirurgias na unidade intensiva e uma nova já está prevista. Com ela, a alta é calculada para o final de agosto.
Nesta quinta-feira (14), minutos após dar depoimento para a Brigada Militar em seu leito, Rai falou com exclusividade para GZH. O torcedor do Brasil-Pel garante que foi agredido por policiais militares quando foi detido após o jogo da equipe pelotense com o São José, dentro de um banheiro do Estádio Passo D'Areia. A fala coincide com o relato de familiares e testemunhas ouvidas pela reportagem antes de a vítima sair do coma. Todos já foram ouvidos no processo de investigação da Corregedoria-geral da Brigada Militar e Ministério Público.
Desde o caso, GZH acompanha a situação de Rai em contatos frequentes com a assessoria de comunicação do hospital e familiares — especialmente com sua mãe, Marta Cardoso, que lhe acompanha desde o primeiro dia de internação. Ela se mudou para Porto Alegre.
O depoimento dado nesta quinta-feira (14) é considerado chave pela Brigada Militar para a conclusão do inquérito. A investigação prossegue, e os responsáveis rechaçam qualquer pré-julgamento. Em 31 de maio, a BM afastou pelo menos quatro policiais envolvidos nas supostas agressões. Outros tiveram as funções alteradas.
Sem a permissão para a nossa equipe entrar no hospital, a entrevista foi feita através de uma chamada de vídeo de aproximadamente 15 minutos. Emocionado, Rai demostrou capacidade de relatar o ocorrido no Estádio Passo D'Areia, embora a memória falhe quanto ao período em que foi transferido para a emergência do Cristo Redentor. O torcedor cobrou uma punição severa aos culpados. Confira.
Como você se sente depois de fazer o relato para a investigação?
Foi bem tranquilo. Eu detalhei os fatos que aconteceram, só a verdade.
São 75 dias em que buscamos explicações para entender o que aconteceu. Do que você lembra daquele 1º de maio, no estádio do São José?
Fui pego dentro do ônibus e levado para dentro do estádio. Fui espancado por cinco ou seis, e tinha um que comandava tudo. Eram policiais. Primeiro me levaram para dentro do estádio junto com os outros, que foram detidos pois estavam brigando. Eu não sei o motivo por que fui detido. Depois me levaram para dentro de uma salinha, que era um banheiro escuro. E me agrediram mais ainda pois eu falei que era colega.
Você foi da Brigada Militar?
Eu tinha sido colega deles, fui brigadiano temporário.
Qual poderia ter sido o motivo para as agressões?
Não sei o motivo.
Durou muito tempo?
Uma meia hora.
O que eles diziam para vocês?
Me chamavam de lixo, davam tapas na cara e chutes. Estavam quase me matando e comecei a gritar. Acho que a intenção deles era mesmo me matar.
E do deslocamento até o hospital, do que você recorda?
Não me recordo, vim desmaiado. Só me recordo da hora que eu cheguei aqui e desmaiei de novo.
Qual foi sua reação ao sair do estado de coma?
Não acreditava no que tinha acontecido. Para falar a verdade, eu achei que estava na UPA da minha cidade, que minha moto estava na rua e que eu ia me levantar e sair, que tinha acontecido algum acidente. Depois que começaram a me contar sobre a briga no estádio. Que eu não estava na briga, mas que sobrou para mim. E aí eu comecei a lembrar. Fiquei 45 dias dormindo, né. Quando acordei, minha mãe estava comigo. Ela não me deixou em nenhum momento.
Tua mãe te acompanha desde então. Teu pai está por aqui também. E a tua esposa, grávida de cinco meses, com o Hyantony na barriga. Como foi?
Sim, ela esteve no hospital na semana passada. Eu sempre gostei desse nome (Hyantony), mas não tem nada ver com aquele centroavante do Brasil.
Você conseguiu identificar os PMs no depoimento?
Não quis fazer nenhuma injustiça, não quis identificar ninguém. As outras testemunhas já tinham identificado. Eu estava de cabeça baixa, não consegui ver ninguém.
Nem nomes que falaram?
Não.
O que você espera daqui para frente?
Espero que tenha justiça, que os culpados sejam punidos severamente. Isso é uma brutalidade. Assim como foi eu, poderia ter sido outro. Espero me recuperar o mais rápido possível para voltar para Pelotas e rever meus amigos.
E voltar para o Bento Freitas?
Sim, voltar para o Bento Freitas. Mas não viajar mais. Essa foi minha última viagem. Eu tinha ido contra o Aimoré e Caxias no Gauchão, e agora o São José na Série C foi o último.
Tens acompanhado o time?
Tá feia a coisa, infelizmente acho que vamos cair para a Série D. Ainda tem tempo, mas é muita dívida e o time muito limitado. Eu gostaria de saber como ainda tem jogo no Passo D’Areia. Como não aconteceu nada para o São José? Quase me mataram lá dentro e tudo segue normal.
BM divulga nota oficial
"A Corregedoria-Geral da Brigada Militar investiga os fatos relacionados à atuação de policiais militares durante intervenção ocorrida no dia 01 de maio de 2022, no Estádio Passo D’areia “Esporte Clube São José”, após confusão generalizada entre torcedores do Esporte Clube São José e torcedores do Grêmio Esportivo Brasil de Pelotas, em partida válida pela Série C do Campeonato Brasileiro. Durante a intervenção um torcedor foi retirado de dentro do ônibus por Policiais Militares do 11º Batalhão de Polícia Militar, e após esse fato, este torcedor foi hospitalizado em estado grave.
Em 14 de julho de 2022, foi ouvido a termo o torcedor hospitalizado. As declarações prestadas ao Oficial Encarregado do Inquérito Policial Militar (IPM) foram de fundamental importância para a elucidação dos fatos. As informações contribuirão para a construção do cenário probatório visando à individualização de todas as condutas e a formação da convicção necessária à propositura da ação penal.
Desde seu início, a investigação policial militar é acompanhada pelo Ministério Público, OAB/RS e Defensoria Pública/RS.
Diante destes fatos, ratifica-se que, em momento oportuno e adequado, mediante evolução das novas fases da investigação será marcada coletiva de imprensa para exposição e esclarecimento dos fatos."