Até a convenção de domingo (31), quando a ala derrotada saiu dizendo nos grupos de WhatsApp ou nas redes sociais que estava assistindo “ao enterro do MDB” ou que “a chama se apagou”, o partido vivia uma crise silenciosa. Essa crise vem de muitos anos, era percebida pelos líderes mais pragmáticos com a redução das bancadas a cada duas eleições, mas ficava envolta na bruma de uma certa nostalgia. A divisão na convenção pôs a nu o conflito de gerações que se repete em quase todos os partidos.
Em 1986, ano atípico em que o PMDB dominou o país na carona do Plano Cruzado, o partido elegeu 27 dos 55 deputados estaduais. Quatro anos depois, caiu para 12. Em 1994 e 1998, só elegeu 10. Em 2002, 2006 e 2010 foram nove. Em 2014 e 2018, oito deputados estaduais. Na bancada federal o baque é ainda maior: nove deputados em 1990, oito em 1994, sete em 1998 e 2002, cinco em 2006, quatro em 2010, cinco em 2014 e quatro em 2018.
Se o partido quiser fazer uma reflexão honesta sobre as causas da divisão que ficou escancarada com a decisão de se aliar a Eduardo Leite (PSDB) precisa voltar no tempo e se perguntar quando o problema começou. Os que hoje rejeitam o apoio a Leite dirão que foi no momento em que o partido aceitou participar do governo dele, depois de ter perdido a eleição de 2018. Ou quando acreditou que Leite não seria candidato a governador e apoiaria o MDB. Os defensores da aliança dirão que esse mesmo grupo nunca apresentou uma opção viável.
Até dezembro de 2021, o deputado federal Alceu Moreira, então presidente do MDB, corria o Estado como pré-candidato. Alceu organizou debates em todas as regiões, para ouvir as bases. Pretendia ser aclamado no início de dezembro como o nome de consenso do MDB, mas os caciques derrubaram suas pretensões com o argumento de que era preciso fazer uma prévia para escolher um nome capaz de unir o partido que já apresentava fissuras no casco. Naquele momento, ainda havia esperança de que o ex-governador José Ivo Sartori aceitasse concorrer. O próprio Alceu dizia que, se Sartori topasse, seria o candidato de consenso.
Marcada a prévia para 19 de fevereiro, dois candidatos anunciaram que se inscreveriam: Alceu e Gabriel Souza, antes amigos, ali já desafetos. Prevendo um embate que racharia o MDB, no início de fevereiro, dia da inscrição, o prefeito Sebastião Melo, os ex-governadores Pedro Simon, Germano Rigotto e José Ivo Sartori e o ex-prefeito José Fogaça convenceram os dois a desistir de se inscrever e esvaziar a prévia.
Enquanto outros partidos se organizavam para concorrer, o MDB dava voltas em torno de si mesmo, sem marcar outra data para a prévia, ainda sonhando com o consenso improvável. A executiva estadual, em uma votação apertada, decidiu que o candidato seria escolhido pelos 70 membros do diretório estadual. Nova cizânia. Um grupo liderado pelo vereador Cézar Schirmer alegava que o diretório não era representativo, mas o presidente Fábio Branco, que sucedera Alceu na presidência, bancou a decisão.
Em 27 de março, sem outro inscrito, Gabriel foi escolhido pré-candidato com 57 votos favoráveis e dois contrários. Schirmer, inconformado, anunciou que disputaria a indicação na convenção estadual do MDB. Sem a certeza sobre quem seria o candidato, outros partidos passaram a fugir do MDB nas conversas sobre alianças. Gabriel saiu a percorrer o Estado como um cavaleiro solitário, sem que esses líderes defensores aguerridos da candidatura própria o acompanhassem.
Em junho, quando Leite anunciou que seria candidato, quebrou uma das asas de Gabriel. Com o mesmo programa e o mesmo discurso, o ex-governador passou a cortejar o MDB, que seguia no governo de Ranolfo Vieira Júnior ocupando os mesmos cargos. Os mais pragmáticos entenderam que a candidatura própria estava fadada ao fracasso e começaram a trabalhar pela aliança, estimulados pela direção nacional do MDB, que queria o apoio dos tucanos à candidata Simone Tebet.
O presidente nacional do MDB, Baleia Rossi, teve um papel importante na virada, mas não foi decisivo. O que garantiu os 27 votos a mais pela candidatura própria foi a mobilização dos prefeitos e vereadores, o trabalho dos deputados, dos secretários e dos CCs do MDB no governo estadual e a falta de alternativa.
O grupo que gravava vídeos contra a aliança não demonstrava empenho na pré-campanha de Gabriel e não apresentava alternativa. Schirmer não se inscreveu como candidato a governador, ninguém pleiteou a vaga de vice em caso de chapa pura, nem de senador. Se Sartori tivesse aceito disputar o Senado, o MDB teria um apelo a mais. Se ele e os demais líderes que votaram e sequer entraram no Dante Barone tivessem dado a cara a tapa, como Schirmer deu e foi vaiado, talvez virassem os 27 votos.
O “se” não leva a lugar algum: a convenção decidiu, está decidido. Os vencedores tentarão agora reduzir os danos, tentando convencer uma parte dos derrotados que a democracia exige respeito ao que a maioria decide. A outra, que já está inclinada a apoiar Onyx Lorenzoni, o fará sem cerimônia. Leite garantiu o tempo de rádio e TV do MDB, um vice empenhado em trabalhar e o apoio de dois dos quatro deputados federais (Giovani Feltes e Márcio Biolchi), da maioria da bancada estadual, do ex-governador Germano Rigotto e do ex-prefeito José Fogaça. Não é tudo, mas também não é pouco.