Um dia depois da malfadada reunião do presidente Jair Bolsonaro com os embaixadores, convocada para difamar o sistema eleitoral brasileiro, multiplicam-se as vozes preocupadas com o futuro da democracia diante das ameaças deixadas nas linhas e nas entrelinhas. Bolsonaro voltou a insinuar que não aceitará o resultado das eleições se não houver mudança no sistema da urna eletrônica. Sistema este, repita-se, pelo qual ele foi eleito nos últimos 25 anos e elegeu os três filhos do primeiro de seus três casamentos.
A diplomacia brasileira está escandalizada, e com razão, porque o presidente está prestando um desserviço ao país. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) organizou cada acusação e ofereceu resposta a todas — das mais técnicas às que beiram a infantilidade. Incluiu links que desmentem as acusações infundadas do presidente da República, divulgou o conjunto e encaminhou às embaixadas a título de esclarecimento. A acusação de número 20 é uma homenagem ao surrealismo. Falou Bolsonaro: “Polícia Federal disse que TSE é um queijo suíço, como uma espécie de peneira”. Resposta do TSE: “A Justiça Eleitoral não tem conhecimento de tal afirmação feita pela Polícia Federal”.
Não tem porque jamais a instituição Polícia Federal disse isso. Se algum agente falou coisa parecida para Bolsonaro, foi de maneira extraoficial e sem provas. A Polícia Federal, como instituição, não se manifestou, mas nesta terça-feira (19), delegados e peritos da Polícia Federal rebateram o presidente.
Em nota assinada pelas principais entidades de representação, policiais federais garantiram que “desde a redemocratização, em 1988, as eleições ocorrem sem qualquer incidente que lance dúvidas sobre sua transparência e efetividade”. Diz a nota que “as urnas eletrônicas já foram objeto de diversas perícias e apurações por parte da PF e que nenhum indício de ilicitude foi comprovado nas análises técnicas”. A nota é assinada pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, pela Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais pela Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal.
Os policiais federais não foram os únicos: 43 procuradores do Ministério Público Federal encaminharam ao procurador-geral Augusto Aras ofício no qual afirmam que ação do presidente pode configurar ilícito eleitoral e abuso de poder e pedem que ele seja investigado. Sabem que de Aras pouco se pode esperar, mas cumpriram seu dever funcional de alertar.
À omissão do procurador-geral, que já está virando lenda, soma-se o silêncio cúmplice do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que em mais de uma ocasião defendeu a confiabilidade da urna, mas estranhamente se calou depois do vexame do encontro com os embaixadores. Ainda na noite de segunda-feira (18), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se manifestou pelas redes sociais e divulgou nota dizendo:
“Uma democracia forte se faz com respeito ao contraditório e à divergência, independentemente do tema. Mas há obviedades e questões superadas, inclusive já assimiladas pela sociedade brasileira, que não mais admitem discussão. A segurança das urnas eletrônicas e a lisura do processo eleitoral não podem mais ser colocadas em dúvida".
Pacheco classificou os questionamentos ao sistema eleitoral como “ruins para o Brasil sob todos os aspectos” e ressaltou que o Congresso “tem obrigação de afirmar à população que as urnas eletrônicas darão ao país o resultado fiel da vontade do povo, seja qual for”.
ALIÁS
Fica a dúvida se o presidente Bolsonaro queria mesmo tentar convencer os embaixadores de que o sistema eleitoral é inconfiável ou se apenas usou os diplomatas estrangeiros para reverberar teorias conspiratórias entre seus seguidores e promover agitação interna.