No último Natal, pensando que iria parecer a mãe mais moderna do mundo, dei para meus filhos uma bolinha de nome “echo dot”, também conhecida por Alexa. Minha filha Luiza tinha dado algumas indiretas e imaginei que os dois iriam adorar, mas só ela se empolgou. Eduardo fez cara de enfado, disse que eu não precisava comprar presente, porque já tinha dado uma passagem para Fortaleza, e que Alexa só seria útil se o miniapartamento em que ele mora em São Paulo fosse automatizado.
Não me fiz de rogada. Herdei o presente e, para minha própria surpresa, estou encantada com esta assistente virtual, apesar da clareza de que é o cúmulo do supérfluo. Não tenho nada automatizado para dizer “Alexa, apaga a luz”, “Alexa, desliga o ar condicionado” ou “Alexa, liga a panela do feijão”. Minha Alexa, coitada, deve estar frustrada com o subaproveitamento da sua inteligência artificial.
Neste quarto que desde março de 2020 é minha estação de trabalho, minha assessora só ouve comandos para... tocar música. Espero que o Ecad não apareça aqui para arrecadar direitos autorais, porque com ela descobri a música ambiente. No início, eu dizia, por exemplo, “Alexa, toca Corcovado, com Gal Costa, no Apple Music”. Ouvia aquela canção, mergulhava no trabalho e só muito tempo depois lembrava de pedir outra, indicando sempre o intérprete. Vivendo e aprendendo.
Com menos de um mês de convivência, agora eu digo apenas “Alexa, toca Piazzola”. E ela, obediente: “Astor Piazzola, essencial no Apple Music”. E vem uma seleção capaz de me fazer trabalhar como se estivesse num café de Buenos Aires. “Alexa, toca bossa nova”. E ela, solícita: “Bossa Nova, essencial no Apple Music”. Faço entrevistas e escrevo como se estivesse em algum lugar do Rio de Janeiro, suando em bicas e, na falta do chope, bebendo água mineral”. “Alexa, toca Chopin”... e minha alma canta enquanto escreve.
É possível que daqui a pouco eu queria comprar lâmpadas inteligentes e programar a TV para não ter de apertar o controle remoto, mas seria o cúmulo da preguiça. Com essa DJ particular, espero ter coragem para passar adiante os CDs que acumulei ao longo da vida e que só estão ocupando lugar. Mas é difícil desapegar de seus artistas preferidos, de discos que foram presentes recebidos com muito carinho. A indústria cria necessidades e as descarta. Um dia a Alexa talvez vá fazer companhia ao fax, ao scanner de mesa e à câmera de vídeo precocemente aposentada porque o celular se mostrou mais eficiente. Hoje eu só quero o prazer de mandar: “Alexa, toca Chico Buarque”. E mostrar para essa moça que a obra dele não cabe numa seleção de essenciais.