Cruzei o Rio Fão na manhã de sábado (4) e me assustei com o que vi. Aquele rio caudaloso de Marquês de Souza virou um córrego à altura da ponte da BR-386. Sempre me intrigou o nome, que imagino tenha sido definido pelos imigrantes alemães que não conseguiam dizer “vão”.
O Butiá, que separa o município de Espumoso de Alto Alegre, parece um riacho. Em nada lembra o rio que muitas vezes nos deixou ilhados porque a enchente alagava as margens e as lavouras ribeirinhas e invadia a entrada que nos ligava ao mundo. O “alague”, como chamamos o lago formado pela barragem do Passo Real, está irreconhecível. As margens agora vão até onde antes só se chegava de canoa.
Ao cruzar outras pontezinhas sobre arroios da minha infância só encontrei fios de água, alguns quase secos. Verdade que a estiagem por este pedaço de Rio Grande do Sul tem sido severa, e o que mais ouço nas conversas com meus parentes são reclamações sobre a falta de chuva.
Lavouras que já deveriam ter sido plantadas seguem com a resteva do trigo, porque a falta de chuva não permitiu mexer na terra. Cada pessoa recita de memória o quanto choveu nas últimas semanas: 2 milímetros, 6 milímetros, 4 milímetros. Em alguns lugares, nenhuma gota. Contam-me que o Jacuizinho, que era uma espécie de piscina pública, com poços proibidos pela profundidade, também está assim, cheio de pontos em que se é possível atravessar a pé.
Sinto o desânimo e a preocupação no rosto destes homens e mulheres de mãos calejadas ante a perspectiva de uma safra ruim. Não há como arrancar as cenouras e beterrabas, a couve está murcha nas hortas das cidades, até os temperos verdes secaram. Pergunto se não dá para regar a horta, pelo menos, e a resposta é que precisam economizar água. Além do preço absurdo, pode faltar.
Impossível não associar essa falta d'água ao desmatamento, mesmo que se diga que secas sempre existiram. Lembro de quanto mato foi arrancado pelos tratores de esteira “com seu ronco matraqueiro”, nos anos 1970. Aquilo era o progresso chegando nas nossas aldeias, arrancando árvores inteiras e transformando matos em lavouras de uma semana para outra. Era o milagre econômico e muitas famílias tudo arrancaram para plantar soja. Plantava-se até à beira dos rios e a água se tingiu da terra vermelha carregada pelas enxurradas. Só muito mais tarde viria um Código Ambiental, por muitos considerado absurdo, obrigando a preservar a mata ciliar e a preservar ou replantar um pedaço da propriedade.
Aqui estamos, em dezembro de 2021, olhando ansiosos pela previsão do tempo no telefone. Uns pedindo a São Pedro que mande chuva, outros se perguntando por que será que já não chove como antigamente.