Na árvore de Natal dos brasileiros não está o presente mais desejado por milhões de pais de crianças de cinco a 11 anos, a vacina contra a covid-19, já aprovada pela Anvisa. A contradição é que o governo que apregoa o direito de adultos não se vacinarem, em nome de um conceito de liberdade individual que se sobrepõe ao interesse coletivo, retarda o exercício do direito de vacinar os filhos, se esse for o desejo dos pais. Em nome de quê? De uma consulta pública que contempla grupo restrito de médicos, cientistas de redes sociais e teóricos da conspiração.
Gente que nas aulas de biologia não passou do capítulo das amebas se arvora a discutir RNA mensageiro com cientistas, como se tivesse conhecimento e autoridade para tanto. A consulta pública, diz o ministro Marcelo Queiroga, será uma oportunidade para que quem não concorda com a decisão dos técnicos da Anvisa faça contestações embasadas, talvez em traduções malfeitas de publicações de autores sem relevância na comunidade científica. O que seria uma contestação tecnicamente embasada? Não se sabe, até porque Queiroga passou a não gostar de ser questionado e abandonou uma entrevista com ares de ofendido.
A Anvisa, convém registrar, não está inventando a roda. Autorizou para crianças de cinco a 11 anos uma vacina já testada e aplicada em mais de 20 países, a começar pelos Estados Unidos. A mesma vacina da Pfizer já foi adotada no Canadá, na França, na Alemanha, em Portugal, em Israel, para ficar com os mais conhecidos. Acaba de ser aprovada para aplicação nas crianças do Reino Unido. Serão os cientistas e autoridades sanitárias desses países seres sem luz, a serviço de uma indústria farmacêutica que quer faturar às custas das crianças? É o que se depreende dos comentários da tribo da terra plana.
O governo brasileiro retarda a vacinação no momento em que a variante Ômicron avança pelo mundo. Perde tempo com uma consulta pública inventada para ganhar tempo, quando deveria estar fazendo todos os esforços para apressar a entrega das vacinas, que têm formulação especial para as crianças.
Diz o ministro Queiroga que “óbitos de crianças estão dentro de um patamar que não implica em decisões emergenciais”. Difícil entender se Sua Excelência está se referindo aos dados do Brasil, onde a Ômicron recém começou a se espalhar, ou à África do Sul, onde foi identificada primeiro, e que registra 21 mortes de crianças em 12 dias, três vezes e meia mais do que nas outras ondas. Se isso não é motivo para adotar medidas emergenciais, o que seria?
No ritmo pretendido por Queiroga, que obedece ao comando do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos com PhD em ciência de internet, a consulta pública termina em 5 de janeiro. Só então se saberá se teremos vacinas para todas as crianças ou apenas para aquelas que têm algum problema de saúde, as chamadas comorbidades.
Aliás
O que é muito ou pouco, quando se trata de morte de crianças? Vinte e uma nos últimos 12 dias, como se viu na África do Sul, ou 305 em dois anos (Brasil, dos últimos dois anos) pode parecer pouco para quem faz a ciência do palpite — a menos que uma dessas seja filha ou neta do palpiteiro.