Estreante em eleições, o ex-juiz Sergio Moro (Podemos) está fazendo sessões de fonoaudiologia e treinando para dar entrevistas, mas ainda não adquiriu a fluência necessária para os debates que virão em 2022. Quando fala de corrupção, Moro está em seu habitat e dispara torpedos contra o ex-presidente Lula (PT), a quem condenou quando magistrado, e ao presidente Jair Bolsonaro (PL), a quem serviu como ministro da Justiça.
Na entrevista de meia hora à Rádio Gaúcha, nesta sexta-feira (3), ficou evidente o esforço de Moro para mostrar que não será candidato de uma nota só, aquele que tem o combate à corrupção como programa de governo.
— O combate à corrupção está no meu DNA, mas estamos trabalhando em um programa de governo mais amplo, que terá o combate à pobreza como um dos pontos principais.
Moro disse que tem uma equipe da melhor qualidade trabalhando na elaboração de propostas para todas as áreas, mas que não pode revelar quem são essas pessoas, porque a imprensa - “nada contra a imprensa” - não vai deixá-los em paz quando souber. Citou apenas o já conhecido conselheiro econômico Affonso Celso Pastore, a quem definiu como um dos melhores economistas do Brasil.
A agenda do candidato será liberal, mas nem tanto. Programas como o Bolsa Família, agora chamado de Auxílio Brasil, serão ampliados, mas com portas de saída. Sua bandeira é “melhorar a vida das pessoas”. Ou “as pessoas acima de tudo”, num contraponto ao slogan de Bolsonaro, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Em determinados momentos, a carta de (boas) intenções do ex-juiz para uma candidatura à Presidência tem a profundidade das mensagens de O Pequeno Príncipe. Diz que decidiu se filiar quando foi questionado, nos Estados Unidos, se tinha abandonado o Brasil. Qualquer semelhança com “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” é mera coincidência.
Quando questionado sobre a guinada que deu em 2018, unindo-se ao governo Bolsonaro depois de condenar seu principal adversário e tirá-lo da disputa, Moro disse que não tem constrangimento nem arrependimento. Que condenou políticos corruptos e que os governos do PT ocorreram os dois maiores escândalos de corrupção da história, o mensalão (julgado pelo Supremo Tribunal Federal) e o petrolão. Que acreditou que o Ministério da Justiça seria um caminho para implantar seu pacote anticrime, sabotado por Bolsonaro. Mesmo não tendo conseguido colocar em prática a maior parte dos seus projetos, Moro faz uma avaliação indulgente de sua passagem pelo ministério de Bolsonaro. Diz que fez um ótimo trabalho de combate ao crime organizado.
Perguntado sobre como governaria, tendo se incompatibilizado com tantos políticos, e como se relacionaria com o centrão, que está em todos os governos, Moro dá uma resposta quase ingênua. Diz que nenhum ministro, nem Onyx Lorenzoni que era chefe da Casa Civil, recebeu tantos deputados e senadores quando ele no primeiro ano de governo. E que vai propor “um pacto político em cima de um projeto”, o que seria uma espécie de vacina contra os aproveitadores que exploram presidentes em troca da governabilidade.
Mundo paralelo
Sergio Moro passa a ideia de que vivia em um mundo paralelo em 2018. Na entrevista à Rádio Gaúcha, disse que não há um só brasileiro que não tenha dado a Jair Bolsonaro “o benefício da dúvida de que poderia dar certo”.
Ora, no segundo turno, Bolsonaro teve 57,7 milhões de votos, mas 47 milhões de brasileiros votaram em Fernando Haddad, 8,6 milhões anularam o voto e 2,4 milhões votaram em branco. Isso sem contar os 31,3 milhões que se abstiveram de votar.
Aliás
Sergio Moro posicionou-se contra o orçamento secreto, com o argumento de que, em se tratando de recursos públicos, é preciso dar transparência absoluta, mas defendeu as emendas impositivas, por entender que os parlamentares sabem quais são as prioridades de suas regiões.