Assim que entrou no ar a consulta pública do Ministério da Saúde sobre a vacina contra a covid-19 para crianças de cinco a 11 anos, ficou evidente que se trata de produção para inglês ver. Pelo tom do enunciado e das questões, é possível prever que no dia 5 de janeiro vai ocorrer o que o ministro Marcelo Queiroga apontou como o caminho mais provável: a exigência de autorização dos pais e de um médico responsável. O questionário, formulado de maneira a induzir as respostas, indica que o Ministério da Saúde vai tentar priorizar as crianças com comorbidades, talvez porque não tenha adquirido vacinas em quantidade suficiente.
Tudo nessa pesquisa é intrigante, a começar pelo fato de ser feita em um formulário comum, sem verificação de identidade e até sem aquela marcação que diz "não sou um robô". Preenchidos os dados de identificação, com CPF, telefone, e-mail, data de nascimento e sexo biológico, o Ministério da Saúde pergunta como a pessoa tomou conhecimento da pesquisa. As opções vão do Diário Oficial dia União (que obviamente quase ninguém lê) ao site do Ministério da Saúde, passando por redes sociais e contatos pessoais. Rádio, jornal e TV não aparecem no cardápio. Quem soube por um desses meios precisa assinalar "outros".
O Ministério da Saúde pede que antes de responder ao questionário as pessoas leiam um texto que é outra pérola da manipulação. Começa com o argumento de que há poucos casos e mortes de crianças por covid-19, empilha dados para indicar que a pandemia está sob controle e só lá pelo meio admite que a vacina para crianças é eficiente, não causa problemas e é usada em vários países e é recomendada para reduzir o contágio. Por fim, diz que o Ministério da Saúde recomenda a adoção da vacina.
Quem só lê a primeira parte fica com impressão totalmente diferente de quem vai até o fim, mas aí entra no questionário e encontra perguntas formuladas de tal forma que o desavisado é capaz de marcar "sim" em todas, avalizando a ideia de só vacinar com aval de um médico.
Mesmo com essa escancarada tentativa de manipulação, é importante participar e deixar seu recado ao Ministério da Saúde ao final do formulário. Pode ser que ninguém do governo leia, mas, pelo menos, pôde-se deixar registrada a indignação ou a concordância.