Sem crime de responsabilidade, o pedido de impeachment do governador Eduardo Leite protocolado nesta sexta-feira por uma jovem advogada estaria condenado a ir para o arquivo, como tantos outros apresentados nos últimos 20 anos, por falta de consistência da denúncia. Só ganhou visibilidade porque o filho zero três do presidente Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro, resolveu dar visibilidade ao pedido, entrevistando a autora em uma live.
Qual o crime atribuído a Leite? Ter editado decretos com restrições a atividades econômicas não essenciais e à circulação de pessoas, como têm feito governadores Brasil afora. Na live, o filho de Bolsonaro e a advogada chegaram a dizer que Leite proibiu a circulação de pessoas em determinados horários, coisa que só o presidente poderia fazer, em situação de estado de sítio. Não é verdade, mas nas redes sociais bolsonaristas vigora a lei de Goebbels, o chefe da propaganda nazista: repita uma mentira muitas vezes até que ela se torne verdade.
O pedido de impeachment será arquivado, mas Eduardo Bolsonaro fez parecer a seus seguidores que tem alguma chance de prosperar. Se tivesse perguntado ao presidente da Assembleia, Gabriel Souza, a quem fez uma visita de cortesia durante a tarde, teria ouvido que tal pedido não tem pé nem cabeça. Mas não tocou no assunto. Deixou essa agenda para tratar com o grupo de bolsonaristas que rejeita as medidas restritivas e quer abrir o comércio a qualquer custo.
A presença de Eduardo em Porto Alegre só tem uma explicação: a família Bolsonaro leva mais a sério a possível candidatura de Leite à presidência do que os próprios líderes do PSDB. Desde que um grupo de tucanos esteve no Piratini sugerindo que Leite coloque seu nome no tabuleiro da sucessão - e ele concordou -, o governador virou saco de pancada de Bolsonaro, dos filhos e dos aliados mais radicais.
Não é coincidência que nesta mesma sexta-feira o pai tenha entrado com uma ação judicial contra três governadores que adotaram restrições: Leite, Rui Costa (PT) da Bahia e Ibaneis Rocha (MDB) do Distrito Federal? Por que os três se outros adotaram restrições idênticas ou até mais duras? Porque a ação é política.
Bolsonaro sabe que vai dar em nada, mas joga para a torcida. A ação fala em “risco sanitário abstrato”, como se a morte de quase 3 mil pessoas por dia no Brasil não fosse motivo suficiente para os governadores de cada Estado tomarem providências que ele se recusar a tomar porque não leva a pandemia a sério.