Com todo o cuidado para evitar o confronto direto com o presidente Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão deixou claras, em entrevista ao Gaúcha Atualidade, as divergências de ponto de vista entre os dois. Essas diferenças se referem não apenas às declarações desastradas de Bolsonaro em relação a questões diplomáticas e ambientais, como no próprio reconhecimento da vitória de Joe Biden na eleição para presidente dos Estados Unidos.
Mourão chamou de "exagero verbal" a afirmação de Bolsonaro de que "quando acaba a saliva" (na diplomacia) resta a pólvora, uma declaração que, por absurda, virou meme na internet.
Com as quatro estrelas que carrega no ombro, Mourão sabe que desafiar o poder militar dos Estados Unidos, como resposta à cobrança de Biden pela preservação da Floresta Amazônica, é coisa de quem fala sem pensar nas consequências. Poderia ter dito que é coisa de mau militar, que foi corrido do Exército, mas se conteve.
— As palavras quando saem da boca não voltam mais. É como o paraquedas: depois que se salta, não tem mais como voltar para o avião — comparou.
A entrevista deixou claro que as relações entre o presidente e o vice vão de mal a pior, mas Mourão tentou ser elegante o tempo todo. Confirmou que os dois não têm conversado, mas que está disposto a sentar com o presidente, assim que Bolsonaro quiser.
O clima que já não era bom entre os dois desandou de vez com a reportagem do jornalista Mateus Vargas, publicada no jornal O Estado de S.Paulo, revelando a existência de um documento do Conselho Nacional da Amazônia Legal, presidido por Mourão, que sugere a criação de mecanismos para expropriar propriedades com registros de queimadas e desmatamentos ilegais. No Twitter, Bolsonaro escreveu:
"Mais uma mentira do Estadão ou delírio de alguém do Governo. Para mim a propriedade privada é sagrada. O Brasil não é um país socialista/comunista".
Depois, diante de apoiadores no Palácio da Alvorada, mandou uma indireta para Mourão:
— Eu vi essa matéria no Estadão de hoje. Ou é mais uma mentira, ou alguém deslumbrado do governo resolveu plantar essa notícia. A propriedade privada é sagrada, não existe nenhuma hipótese nesse sentido. Se alguém levantar isso aí, eu simplesmente demito do governo. A não ser que essa pessoa seja "indemissível".
Mourão é indemissível, mas coloca panos quentes nas declarações de Bolsonaro, como se tratasse com alguém relativamente incapaz. Sobre a história da pólvora, disse que, de Bolsonaro, "é preciso prestar mais atenção nas ações do que nas palavras".
O vice-presidente reconheceu "como indivíduo" a vitória de Biden, coisa que Bolsonaro não fez até agora, e reiterou que as relações com os Estados Unidos são institucionais e serão pautadas pelo diálogo.
Questionado sobre seus planos para 2022, já que Bolsonaro não pretende repetir a chapa vitoriosa em 2018, desconversou. Disse que está focado em cumprir sua missão, mas não descartou a hipótese de concorrer ao Senado ou ao governo do Rio Grande do Sul.