A procissão de empresários, puxada pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, rumo ao Supremo Tribunal Federal, para pressionar o presidente, Dias Toffoli, é dessas imagens que valem por mil palavras. De surpresa, o grupo que incluía o filho mais velho, Flávio Bolsonaro, e mais dois ministros, o da Defesa e o chefe da Casa Civil, bateu à porta do STF para uma “visita de cortesia”, mas a reunião foi transmitida ao vivo pelas redes sociais.
Não se viu nada parecido nestes mais de três meses em que o planeta está em convulsão: o chefe do Poder Executivo vai à Suprema Corte pedir que retire a autonomia dos Estados para adotar medidas restritivas à atividade econômica, mesmo que tais travas tenham sido adotadas para conter a expansão do coronavírus.
É verdade que também não se tem notícia de outro país em que os entes subnacionais tenham precisado recorrer à Corte Suprema para garantir o direito de adotar políticas restritivas. Isto porque o presidente ou o primeiro-ministro não faz pouco caso da covid-19, estimula aglomerações ou acusa governadores e prefeitos de destruir a economia com as políticas de distanciamento social.
Bolsonaro, Guedes e os empresários foram ao Supremo no momento em que o Brasil caminha para se transformar no novo epicentro do coronavírus, o número de mortes cresce à média de 8% ao dia (foram 615 na quarta-feira) e vai deixando para trás fortes concorrentes ao título de país com maior número de vidas perdidas. No ranking do terror, estamos em sexto lugar em mortes. Só perdemos hoje para Estados Unidos, Reino Unido, Itália, Espanha e França.
Noves fora o absurdo de querer estabelecer regras para o país inteiro, contrariando o próprio ministro da Saúde, Nelson Teich, que defende tratamento diferenciado por região, há dois problemas adicionais. Primeiro, o da falta de senso de oportunidade: nesta primeira semana de maio, o sistema hospitalar de vários Estados está entrando em colapso. Em alguns, o sistema funerário já entrou. Segundo, e não menos grave, é o método: o presidente atravessar a Praça dos Três Poderes para constranger ministros é desrespeitar a autonomia assegurada na Constituição.
Vá lá que Bolsonaro já tenha dito que ele é a Constituição e reclamado de decisões monocráticas de ministros, mas a marcha da insensatez ocorre quatro dias depois de o presidente ter participado de um ato em que se pedia o fechamento do Congresso e do Supremo. Nesse ato, em em tom de ameaça, disse que “daqui para a frente não tem mais conversa”. Frase textual, para que não se diga que foi tirada do contexto:
— Vocês sabem que o povo está conosco, as forças armadas ao lado da lei, da ordem, da democracia, liberdade também estão ao nosso lado. Vamos tocar o barco, peço a Deus que não tenhamos problema nessa semana, porque chegamos no limite, não tem mais conversa, daqui para frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição, ela será cumprida a qualquer preço.
Dias Toffoli ofereceu café, ouviu o que o presidente tinha a dizer e devolveu a peteca, sugerindo a criação de um comitê de crise e uma saída negociada com os Estados para a retomada das atividades econômicas.