A mudança no local e no formato da entrevista coletiva de balanço das ações de enfrentamento ao coronavírus não foi suficiente para o governo desfazer a percepção de que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, se tornou o nome mais importante da Esplanada dos Ministérios.
No Palácio do Planalto, ao lado de quatro ministros (Casa Civil, Infraestrutura, Cidadania e Advocacia Geral da União) e de um representante da Defesa, Mandetta manteve o protagonismo dos últimos dias e voltou a contrariar o presidente Jair Bolsonaro ao defender a manutenção do isolamento social por mais algum tempo.
Reafirmou a defesa das ações baseadas em evidências científicas e até contou que assistiu, no Fantástico, da Rede Globo, à reportagem sobre as dificuldades que os médicos estão enfrentando em Nova York.
A transferência das entrevistas para o Planalto tem o objetivo de mostrar que as ações do governo não se limitam ao Ministério da Saúde e que, a cada dia, um ou dois ministros estarão ao lado de Mandetta para falar das iniciativas do governo. Até aí, tudo muito bem: a área econômica está sendo demandada a socorrer empresas e trabalhadores, a área social precisa atuar na atenção às famílias que ficaram sem renda, a infraestrutura tem de mostrar como está sendo feita a distribuição de equipamentos, medicamentos e vacinas. À Casa Civil cabe o papel de coordenador das diferentes pastas, já que, como destacou o ministro Braga Netto, a crise do coronavírus exige medidas transversais.
O problema é que o general, pouco afeito aos ritos da política, cometeu dois atos falhos que confirmam o desconforto com atuação de Mandetta, elogiada por prefeitos, governadores e, pecado mortal, pela imprensa.
Questionado sobre a possível demissão de Mandetta, Braga Netto respondeu:
— Deixar claro pra vocês. Não existe essa ideia de demissão do ministro Mandetta. Isso aí está fora de cogitação, no momento.
“No momento” pode significar que ali adiante, se o ministro não dançar conforme a música que Bolsonaro toca, pode cair. Mandetta não parece preocupado. Deve saber que hoje o governo precisa mais dele do que ele do governo.
Em tom conciliador, o ministro disse que as tensões são naturais diante da gravidade da situação, mas deixou claro que não recomenda passeios como o que Bolsonaro fez na manhã de domingo por duas cidades-satélite de Brasília. E, para mostrar que de ingênuo não tem nada, deixou no ar uma frase que para bom entendedor não precisa de tradução:
— Em política, quando a gente fala que não existe, a pessoa já fala 'existe'.
A entrevista deveria ter oito perguntas. Na quinta, sobre a saidinha de Bolsonaro, Braga Netto se irritou e encerrou a conversa. O cerimonial informou que, a seguir, Mandetta e os secretários Wanderson Oliveira e João Gabbardo dos Reis dariam informações técnicas sobre a evolução dos casos de covid-19, e que não haveria espaço para perguntas. Mandetta avisou aos jornalistas que, se fossem questões técnicas, não contempladas em sua explanação e na dos secretários, daria as respostas.
Com a firmeza de intervenções anteriores, falou das dificuldades que estão por vir e, como quem não quer nada, elogiou a responsabilidade dos moradores de favelas como a Rocinha e o Vidigal que, a despeito de todas as dificuldades, estão estimulando o isolamento social par impedir que o vírus se alastre.
Na saída do ministério, questionado pelo jornal O Globo, o ministro não se furtou de uma resposta mais completa:
— A questão é a seguinte: eu tenho um problema muito grande para tocar, que é uma pandemia. E eu tô focado nela. São questões secundárias. Só repito: não recomendamos. Permanece a recomendação do Ministério da Saúde para todos, para você, para o seu chefe de redação, para todos.