Pelo que se viu no fim de semana, o Brasil tem dois governos atuando em paralelo. Um é o do presidente Jair Bolsonaro e dos filhos, que subestimam o coronavírus e vendem a ideia de que não passa de uma gripezinha que só ameaça idosos e pessoas que já têm problemas de saúde. O outro é chefiado pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que dá as cartas nas ações de combate ao coronavírus com base em informações científicas.
A conversa entre esses dois governos é truncada. No sábado, Mandetta reafirmou a necessidade de isolamento social, enquanto o sistema de saúde prepara a infraestrutura para enfrentar o aumento da demanda. No domingo, o presidente resolveu desafiar a orientação do seu ministro e foi circular no meio do povo em Taguatinga e Ceilândia, cidades-satélite do Distrito Federal, repetindo o discurso de que é preciso retomar a atividade econômica porque, do contrário, a fome irá matar mais do que o coronavírus.
No governo de Bolsonaro & Filhos, só há certezas e politização do vírus. Nessa ótica, tortuosa, governadores, como João Doria, de São Paulo, estariam exagerando até no número de mortos por coronavírus — e isso que o número de óbitos no Brasil ainda é relativamente baixo e há suspeita de que estejam desatualizados, porque muitos morrem sem ter o resultado do teste. No governo de Mandetta e dos técnicos, com o qual o vice-presidente Hamilton Mourão se mostra mais alinhado, as dúvidas são as mesmas que afligem os países desenvolvidos. As providências, também. E a proposta é de um plano de ação conjunta com os governadores, que coloque a saúde em primeiro lugar, sem descuidar da economia.
Bolsonaro, os filhos e seu exército de seguidores fanáticos tratam o coronavírus como uma pandemia qualquer e não cansam de repetir que no Brasil morrem mais pessoas de dengue, H1N1 e acidentes de trânsito. Mandetta, os governadores e a maioria absoluta dos prefeitos têm dúvidas. Não sabem como será a trajetória do vírus no Brasil e se baseiam em modelos internacionais para tentar evitar o colapso no sistema de saúde. Lembram que ainda estamos longe do pico da montanha e recomendam o isolamento social para evitar que a curva suba rápido demais. Sabem que se os infectados pelo coronavírus ocuparem todos os leitos de UTI, pacientes que sofrem de outras doenças poderão morrer por falta de atendimento adequado.
Apesar das divergências de abordagem, Mandetta segue ministro, orientando a compra de equipamentos, o aumento dos leitos hospitalares e a distribuição de vacinas para a gripe. Na prática, Bolsonaro virou um presidente decorativo.
ALIÁS
A manifestação do ministro da Economia, Paulo Guedes, dizendo que, como economista gostaria de manter a produção, mas como cidadão, quer ficar em casa, indica que está mais alinhado com o colega Luiz Henrique Mandetta do que com o chefe que fala em editar um decreto liberando todo mundo para trabalhar.
Flávio Bolsonaro, o sem noção
Seguindo a linha do pai, que trata a cloroquina como a solução mágica para enfrentar o coronavírus, o senador Flavio Bolsonaro usa as redes para vender uma ideia que contraria a comunidade científica. Até foto fake de um paciente divulgou no fim de semana.
A cloroquina vem sendo usada em caráter experimental, com sucesso, assim como outras drogas, como a azitromicina, mas os resultados ainda são preliminares. O ministro Luiz Henrique Mandetta alertou que a cloroquina tem efeitos colaterais que não podem ser desprezados.
Mandetta chegou a fazer o gesto de sacudir uma caixinha imaginária para dizer que não se deve sair por aí receitando cloroquina em porta de hospital, recado que serve a pai e filho.